História da Arte |
O NOME BARROCO
O termo parece nascer do vocábulo português barroco, que designava uma pérola irregular. Há quem afirme que a palavra origina-se de baroco, vocábulo utilizado por religiosos medievais para indicar um raciocínio falso e sem sentido. Durante todo o século XVII, barroco aparece com o sentido de extravagante e grotesco. É usado também na acepção de irregularidade e falta de harmonia em trabalhos artísticos. Todavia, podemos afirmar que os criadores do período não sabiam que eram barrocos e tampouco seu público os rotularia assim.
Somente no século XIX, o conceito começa a se impor. Primeiro, ele ainda carrega um significado pejorativo de degradação das formas renascentistas. Depois, com o historiador da arte H. Wölfflin, surge a idéia de um estilo barroco, com características próprias e merecedoras de atenção. A partir de 1920, críticos de literatura, arquitetura, artes plásticas e música ampliam e expandem a noção de Barroco, configurando um brilhante período artístico no Ocidente, que se desenvolve desde os fins do século XVI e atinge todo o transcurso do século XVII.
Cultismo e Conceptismo
Na Espanha do século XVII, dentro do padrão barroco, aparecem essas duas designações literárias que se tornam símbolos do exagero verbal e de certa obscuridade do pensamento. Assim:
Cultismo:
# Busca da perfeição formal através de um estilo rebuscado.
# Utilização contínua de neologismos.
# Metáforas arrojadas e hipérbatos (inversões sintáticas) freqüentes.
Conceptismo:
# Tentativa de dizer o máximo com o mínimo de palavras.
# Emprego de elipses, duplos sentidos, paradoxos e alegorias.
# Requinte expressivo e sutileza das idéias.
Os principais representantes dessas duas tendências foram respectivamente Góngora e Quevedo. Na execução poética, contudo, tanto Cultismo quanto Conceptismo apresentam mais pontos de convergência do que de repulsão. Frise-se também que os referidos estilos - apresentados como formalismo desmedido e jogo de idéias labirínticas - possibilitam alguns momentos criativos que se situam entre os mais altos da lírica ocidental.
BARROCO
CARACTERÍSTICAS
Arte da Contra-Reforma
O Martírio de São Felipe, de Jusepe de Ribera, exemplo da religiosidade tensa da cultura barroca católica.
A ideologia do Barroco é fornecida pela Contra-Reforma. Estamos diante de uma arte eclesiástica, que deseja propagar a fé católica. Em nenhuma outra época se produz tamanha quantidade de igrejas e capelas, estátuas de santos e documentos sepulcrais. As obras de arte devem falar aos fiéis com a maior eficácia possível, mas em momento algum descer até eles. Daí o caráter solene da arte barroca. Arte que tem de convencer, conquistar, impor admiração.
Paralelamente, em quase todas as partes, a Igreja se associa ao Estado, e a arquitetura barroca, antes somente religiosa, se impõe também na construção de palácios, com os mesmos objetivos: causar admiração e temor. Arquitetura e Poder identificam-se da mesma forma que a Igreja legitima o "direito divino dos reis", isto é, o absolutismo despótico nos impérios católicos.
BARROCO
CARACTERÍSTICAS
Conflito entre Corpo e Alma
A partir do Maneirismo instaura-se na arte um conflito fundamental que mesmo o Barroco não consegue equacionar de todo: o conflito entre os prazeres corpóreos e as exigências da alma. O Renascimento definira-se pela valorização do profano, do secular, pondo em voga o gosto pelas satisfações mundanas.
Frente a estas conquistas, a atitude dos intelectuais maneiristas e barrocas é extremamente complicada. Não podem renunciar ao "carpe diem"* renascentista, isto é, ao "aproveitar o dia", ao viver intensamente cada minuto. Mas não alcançam a tranqüilidade para agir assim, pois a filosofia da Contra-Reforma, antiterrena, teocêntrica, medieval, fustiga os seus cérebros, oprime os seus corações.
O dilema centra-se, portanto, na oposição vida eterna versus vida terrena; espírito versus carne. Dentro do Maneirismo e dentro do Barroco não há possibilidade de conciliação para estas antíteses. Ou se vive sensualmente a vida, ou se foge dos gozos humanos e se alcança a eternidade.
Esta tensão de elementos contrários causa uma profunda angústia, demonstrável por uma permanente dialética: o artista lança-se aos prazeres mais radicais; em seguida sente-se culpado e busca o perdão divino; mas o mundo é uma presença palpitante, levando o homem novamente aos pecados da carne. Assim, o criador barroco ora ajoelha-se diante de Deus, ora celebra as delícias da vida. Os dois exemplos pertencem a Gregório de Matos Guerra:
(A) A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos
E, por não castigar-me, estais cravados.
(B) Com vossos três amantes me confundo,
Mas vendo-vos com todos cuidados,
Entendo que de amante e amorosa
Podeis vender amor a todo o mundo.
* Carpe diem: Frase procedente das Odes do poeta latino Horácio, no sentido de usufruir as coisas concretas: "Enquanto falamos, foge o tempo inimigo / aproveita o dia sem acreditar o mínimo no amanhã."
BARROCO
CARACTERÍSTICAS
A Temática do Desengano
Principal motivo da estética barroca, o desengano (desencanto, desilusão) tem um forte substrato religioso porque está centrado na desvalorização da vida humana frente à morte e à eternidade. Manifesta-se através de certas idéias repetidas exaustivamente:
- A vida é sonho. Esta célebre expressão, título de uma peça do espanhol Calderón de la Barca, traduz o caráter ilusório da existência terrena que não passa de uma realidade aparente, de um jogo, de um teatro, já que a única e verdadeira vida é a eterna. Ou como diz o próprio Calderón:
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
uma sombra, uma ficção.
- A vida é breve. A trajetória do homem guarda uma lamentável brevidade. O tempo voa, destruindo os prazeres, a beleza e a felicidade profana. Nada é estável ou permanente, tudo se desmancha, tudo muda. "Viver é trilhar curta jornada" - diz o espanhol Quevedo.
Cindido entre a alegria da existência e a preparação para a morte, o artista barroco assume uma consciência trágica da avassaladora passagem do tempo. Mas também, diante das coisas transitórias, surge a contradição: vivê-las, antes que terminem, ou renunciar ao terreno e entregar-se à eternidade? Gregório de Matos estabelece um paralelo entre a efemeridade pessoal e a permanência de um rio:
Vás-te, mas tornas a vir,
eu vou, e não torno mais.
Vazas, e tornas a encher:
em mim tudo é fenecer,
tudo em mim é acabar.
- Viver é ir morrendo aos poucos. Esta percepção de que o sopro da vida já traz em si a própria finitude surge como fonte de grande angústia para a alma barroca. Cada minuto vivido é um minuto de aproximação do abismo sombrio. A idéia da morte torna-se onipresente porque não há como esquecê-la. No texto de Quevedo o começo e o fim se confundem:
O berço e a sepultura são o princípio da vida e o seu fim. E por isso, a um juízo inconsciente, os dois têm entre si as maiores distâncias. A visão desenganada, (ao contrário) não apenas os vê como próximos, senão juntos: sendo verdade que o berço começa a ser sepultura, e a sepultura, berço da vida póstuma. Começa o homem a nascer e já a morrer; por isso, quando morre, acaba ao mesmo tempo de viver e de morrer.
BARROCO
CARACTERÍSTICAS
Estilo Complicado e Ornamental
Se a harmonia formal dos clássicos correspondia ao equilíbrio interior e à sensação de segurança histórico-social, a forma conflituosa e exagerada dos barrocos traduz um estado de mal-estar causada pela oposição entre os princípios renascentistas e a ética cristã, entre a lascívia dos novos tempos e a tradição medieval. Traduz também o gosto pela agudeza do pensamento, pela artificialidade da linguagem e pelo desejo de causar assombro no leitor.
A audácia verbal não tem limites: comparações inesperadas, antíteses, paradoxos, hipérboles, inversões nas frases, palavras raras, estabelecendo um estilo retorcido, contraditório, por vezes brilhante, por vezes incompreensível e de mau gosto. Vejamos alguns exemplos:
* Metáfora: Purpúreas rosas sobre Galatea / A aurora entre lírios cândidos desfolha. (Góngora)
(A luz rosada do amanhecer banha o corpo branco da jovem Galatea)
* Antítese: A aurora ontem me deu berço, a noite ataúde me deu. (Góngora)
* Paradoxo: Amor é fogo que arde sem se ver; / é ferida que dói e não se sente; / é um contentamento descontente; / é dor que desatina sem doer. (Camões)
* Jogo verbal: O todo sem a parte não é todo; / a parte sem o todo não é parte; / mas se a parte o faz todo, sendo parte, / não se diga que é parte sendo todo. (Gregório de Matos)
Por fim, assinale-se o gosto dos poetas barrocos pelo soneto, seguindo a tradição renascentista.
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