Descrição Biografia
Título Yolanda Penteado
História da Arte Yolanda Penteado Yolanda de Ataliba Nogueira Penteado (Campinas, 6 de janeiro de 1903 - Stanford, 14 de agosto de 1983) Era membro de uma das famílias mais tradicionais da aristocracia brasileira. Sobrinha de Olívia Guedes Penteado, teve um rápido relacionamento afetivo com o aviador e Patrono da Aeronáutica Alberto Santos Dumont no fim de sua adolescência. Em 1943 casou-se com o multimilionário Francisco Matarazzo Sobrinho, uma das pessoas mais ricas e influentes da época, responsável pela fundação da Bienal de São Paulo. Não tiveram filhos, Yolanda tinha "útero infantil", jamais poderia engravidar. Em 1947, fundou o Museu de Arte Moderna, com a ajuda do jornalista "Assis Chateaubriand" Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo, fundaram a primeira bienal de São Paulo em 8 de Outubro de 1951, com 1.800 Obras e 21 Países. Na Segunda Bienal, em Dezembro de 1953, Yolanda e Ciccillo, trouxeram da Espanha, a obra "Guernica", de Pablo Picasso, como presente à cidade de São Paulo, nos seus 400 anos, comemorados em janeiro de 1954. A gargalhada sincera foi a marca registrada - e o espelho da alma - de Yolanda Penteado, grande dama, fazendeira e mecenas da arte moderna no Brasil Yolanda Penteado começa com um sorriso - senha de sua distinção imediata, a inocência espontânea que foi cativando as mulheres e a sedução maliciosa que ia derrubando devastadoramente um dominó de cavalheiros bem-postos. O sociólogo Gilberto Freyre, reivindicando parentesco distante, olhou o retrato e falou na "beleza fidalga com sex-appeal" de Yolanda Penteado. É por aí - mas não diz tudo dela. Disso daria fé, com certeza, o aéreo Alberto Santos-Dumont, solteiro meio esquisitão, que tirou o chapéu para ela (e que chapéu!) quando ainda lolita, sucumbindo o já cinqüentenário chofer do Demoiselle num destempero platônico regado a chá com brioches na Colombo da Rua Gonçalves Dias, do Rio. "Você está ridículo", ralhou Amália Dumont, tia da menina e cunhada do galanteador almofadinha. Depois, Yolanda imobilizou ("ele ficou tonto", notou a própria) Assis Chateaubriand, elétrico nordestino recém-chegado ao Sul com comichão de fazer coisas e amealhar fortuna, capaz, porém, de reconhecer na jeune fille de 16 aninhos do Colégio Des Oiseaux, sob o disfarce emperucado de princesa austríaca, em espetáculo de grã-finos no Municipal, aquela que seria a grande paixão de sua vida. Chatô derramou-se em sucessivas propostas de casamento, logo ele, don Juan de apetite formidável, semeador de amores e prole. O sorriso irresistível com que Yolanda fazia acompanhar suas também reiteradas recusas explica por que mantiveram os vínculos - ela, a paixão eterna dele, ele, "o maior amigo de quantos eu tive". Ao Sorriso - mais do que em ninguém espelho da alma - sucumbiram também os dois únicos senhores a quem ela disse sim. Primeiro, o primo Jayme da Silva Telles, tão deslumbrante em sua allure de 400 anos e seus cabelos empomadados que o chamavam "Rodolfo Valentino". Com Jayme, Yolanda alternou, por 15 anos, a elegância rústica da fazenda Empyreo, herdada dos pais Juvenal e Guiomar, o esplendor belle époque do Rio de Janeiro e o frenesi pós-guerra de Paris, Veneza e a Côte d'Azur borbulhando de espumantes, de exilados czaristas e de pintores abstratos. No outro pós-guerra, anos 40, o até então incurável bachelor Ciccillo Matarazzo provou dos poderes duplamente curativos do Sorriso, para o coração e para o corpo. A partir de um encontro casual na casa da irmã dele, Mariângela, Yolanda decidiu acompanhá-lo a Davos, na Suíça, até o sanatório que serviu de cenário para Thomas Mann em A Montanha Mágica. A magia da risada franca se manifestou, sem ficção - com a ajuda, é claro, da penicilina. Ciccillo se recuperou, os dois formalizaram o enlace com papel passado a distância, no México, e o sobrinho do Conde Chiquinho passou a recrutar o Sorriso para parceria em seus delírios grandiloqüentes de um museu de arte moderna para São Paulo e uma bienal à moda de Veneza, quimeras que o casal materializou no curso de poucos anos. O MAM e a Bienal são a partitura, todo mundo sabe, desse dueto afinadíssimo. A gargalhada de sinhazinha sapeca embala a idéia de que a vida de Yolanda Penteado "foi uma valsa vienense", como anotou o historiador Sérgio Buarque de Holanda, amigo o suficiente para saber, contudo, que nem sempre as coisas transcorriam em paz e harmonia no rodopio vertiginoso de grande dama, fazendeira, hospedeira, síndica em flor de um salon luxuoso sem hora para abrir e para fechar, tudo em cor-de-rosa, como espelha o título francamente sarcástico de suas memórias, publicadas em 1976 (Editora Nova Fronteira). Quase tudo foi rosa, sim, e foi champagne rosé, e valsa, e aulas de paso-doble, e deck de transatlântico, e saguões do Ritz, e soirées no Jockey, e saraus na fazenda, e corso na Avenida Paulista, e esqui em Saint Moritz, e frufru dos dândis e das cocottes, e pelerines de Madame Grès e baús Vuitton com 24 pares de sapato embarcados para seis meses de desfrute na Europa. No entanto, Yolanda Penteado era mulher batalhadora, açoitada pelas intempéries ditadas pelo seu desejo de independência e, não por acaso, vítima favorita do veneno do high society da paróquia. Em 1947, ao verem a fazendeira de caixa modesto partir para a Europa com o invicto Ciccillo, as serpentes sussurraram: golpe do baú. Naquela união pelo avesso, a quatrocentona era a nova-rica, e o novo-rico fazia-se por quatrocentão. Simpatia esfuziante Na verdade, nunca o interesse de Yolanda copiou tal script de obviedade. Ao renunciar, depois, além dos 70 anos, ao herdeiro Ciccillo e ao sobrenome Matarazzo, contentou-se com um apartamento de suíte, salão e cozinha, desfez-se dos móveis de época e profetizou às amigas perplexas: "Um dia, ainda vamos ficar todas nós sem empregadas". Ela, que teve mordomos e mucamas, se adaptava - é tudo. Não encenou a performance da coitadinha. Tanto que, de livre e espontânea vontade, se desfez do seu Picasso, do Modigliani que era presente de aniversário do ex-marido e até do cavalo de Marino Marini, em bronze magnífico, que emprestara sua expressividade agressiva ao jardim do Empyreo. Yolanda doou tudo para o Museu de Arte Contemporânea, da USP, novinho em folha, outro feliz rebento de seu mecenato com Ciccillo. Nascida em 1903 no berço da nobiliarquia do campo, com avó baronesa e pais abonados que lhe deixaram talvez a mais bela das casas-grandes na trilha cafeeira do Estado, entre Leme e Araras, 180 quilômetros da Capital e a dez do que vem a ser hoje a Via Anhangüera, ela foi tomada desde menina por aquela mesma vitalidade criativa e uma energia mansa que a faria contemporizar um personagem controverso como Chatô. Era fogo na roupa - como se dizia - a tal "caipirinha do Empyreo", no texto de um Chateaubriand perenemente enamorado. Embora mancebos endinheirados se jogassem a seus pés, trocando os sinais de sua simpatia esfuziante com a promessa de um flerte, Chaplin (que a apelidou de "the pink of the pink"), Picasso, o Duque de Sangro e outros lobos conhecidos, a vida de Yolanda Penteado está longe de ser um cartel de conquistas afetivas e um campeonato de glamour. Ao surpreendê-la, fagueira, fogosa, cavalgando à primeira luz do dia, patrulhando as colheitas de algodão e de mandioca na fazenda, já adulta e desquitada, zelando pelo seu próprio sustento, ninguém haveria de chamá-la dondoca - ela era, apenas e simplesmente, uma lady. Chegou a patrocinar a venda de doces caseiros à beira da estrada, num rancho ao qual, porém, não faltava a assinatura ilustre de Sérgio Bernardes. Yolanda Penteado era ao mesmo tempo Coco Chanel e Olívia Guedes Penteado, se é que isso é possível. Com Olívia, pelo menos, tia por parte de pai, a favorita dos modernistas de 22 e patronesse de poetas, rebeldes e boêmios na vizinha fazenda Santo Antônio, Yolanda tinha tudo a ver. A Semana de 22, restrita na verdade a um circuitozinho de nada, teve o pendor de provocar um espasmo de auto-estima intelectual numa São Paulo modorrenta. Uma ou outra sacudidela no provincianismo incrustado nos corações e mentes se seguiu. Nada que se comparasse, porém, à Bienal de São Paulo - a primeira, de 1951, e a do IV Centenário, esticada propositalmente até 1954 e com tal concentração de talentos que nem se percebeu direito, num cantinho da Sala Pablo Picasso, a extraordinária Guernica, pela primeira vez tomando ares fora de Nova York. Texto de Nirlando Beirão

A gargalhada sincera foi a marca registrada - e o espelho da alma - de Yolanda Penteado, grande dama

Data 08/04/2007
Fonte Catálogo das Artes

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