Descrição Definição
Título Ready Made
História da Arte duchamp.gif O ready made nomeia a principal estratégia de fazer artístico do artista Marcel Duchamp. Essa estratégia refere-se ao uso de objetos industrializados no âmbito da arte, desprezando noções comuns à arte histórica como estilo ou manufatura do objeto de arte, e referindo sua produção primariamente à idéia. Se se considera que a característica essencial do Dadaísmo é a atitude antiarte, Duchamp será o dadaísta por excelência. De fato, por volta de 1915, quando abandona a pintura, assume uma atitude de rompimento com o conceito de arte histórica, que caracteriza como "retiniana", expressão que remete, por um lado, à imediatez da imagem, e, por outro, ao modelo de visão exteriorizado que caracteriza a filosofia de Descartes, modelo que persiste ao longo dos séculos XV, XVI e mesmo até o XIX com a invenção da Fotografia. De fato, é a partir da década de 1960, com os chamados neodadaistas (como Rauschemberg) e os artistas conceituais (como Joseph Kosuth) que Duchamp e sua obra seriam resgatados do limite do movimento dada para tornar-se uma influência sobre toda a arte contemporânea, rivalizando assim com Picasso no papel de maior artista do século XX. O ready-made é uma manifestação ainda mais radical da intenção de Marcel Duchamp de romper com a artesania da operação artística, uma vez que se trata de apropriar-se de algo que já está feito: escolhe produtos industriais, realizados com finalidade prática e não artística (urinol de louça, pá, roda de bicicleta), e os eleva à categoria de obra de arte. O ready-made se caracteriza por uma operação de sentido que faz retornar o literário ao problema da arte, contrariando a ênfase modernista na forma do objeto artístico. O conceito de alegoria retorna na forma de uma operação que a materializa concretamente. E ao adotar tal operação de sentido, Duchamp termina por implicar mais que a obra de arte; é necessário tratar de toda a constelação estética que envolve a obra e da conjuntura de sentido que a produz, mas também a que a sustenta e sanciona. É o caso de "Fonte", de 1917. Apresentada no Salão da Sociedade Novaiorquina de artistas independentes, constitui-se a partir de um urinol invertido. A operação que o caracteriza é o deslocamento de uma situação não artística para o contexto de arte. Tal operação é marcada por sua apresentação como escultura e assinatura. À inversão física do objeto corresponde a inversão de seu sentido, que se espelha no corpo do espectador. Do mesmo modo, "Porta-garrafas"(1914, readymade) e "Roda de bicicleta" (1913, readymade assistido) tiram partido de um deslocamento e manipulação do objeto para tornar o sentido de sua aparição crítico. Ao longo de seu trabalho, Duchamp termina por qualificar a produção de ready mades. A expressão se refere primariamente aos objetos que não sofreram transformação formal. Na qualidade de objetos, assim, de algum modo transformados, temos os Ready mades ajudados, retificados, corrigidos e recíprocos, segundo o modo pelo qual sua forma sofre interferência por parte do artista. Como em outros casos, está implícito o típico propósito dadaísta de chocar o espectador (o artista, o crítico, o amador de arte), choque que caracteriza a atitude das vanguardas (que necessitam desse choque para reformular o conceito de arte) e persiste frequentemente na arte contemporânea. Mas o ready-made também evidencia sua constituição em uma neutralidade estética, a partir da qual a operação de sentido é proposta : o ready made inicia numa "indiferença visual" : "...a idéia sempre vinha primeiro, e não o exemplo visual", o que é, "...uma forma de recusar a possibilidade de definir a arte." (em Entrevista com Pierre Cabanne) Uma arte calcada no conceito, que se desenvolve a partir do encontro (rendez-vous), ou seja, do achado fortuito, da blague que dota o objeto de sentido de modo desinteressado, e que, assim, fará com que a obra exista para qualquer sujeito do mesmo modo; em relação à aesthesis, a sensação, o ready made se oferece como fato estético no qual podemos incluir e elaborar nossas experiências, mas que independe da categoria gosto. Não por acaso, Duchamp afirmaria mais tarde que "será arte tudo o que eu disser que é arte" - ou seja, todo acervo artístico que nos foi legado pelo passado só é considerado arte porque alguém assim o disse e nós nos habituamos a admiti-lo. Donde se conclui que La Gioconda, de Da Vinci, ou O Enterro do Conde de Orgaz, de El Greco, não seriam mais arte do que um urinol ou uma pá de lixo: todos dependem de uma reconstituição atual de seu sentido (como funcionamento da obra), e somente nesse funcionamento, do qual faz parte o sujeito, é que a obra se justifica como arte. Isto é, além de nos indicar que a arte precede e prescinde a maestria formal, o readymade nos faz ver que o objeto deixa de ser arte no momento em que deixa de propor, para si mesmo, novas interpretações - no momento em que deixa de fazer um novo sentido. Obtido em "http://pt.wikipedia.org/wiki/Ready-made" ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- Ready-made Definição O termo é criado por Marcel Duchamp (1887 - 1968) para designar um tipo de objeto, por ele inventado, que consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos em massa, selecionados sem critérios estéticos e expostos como obras de arte em espaços especializados (museus e galerias). Seu primeiro ready-made, de 1912, é uma roda de bicicleta montada sobre um banquinho (Roda de Bicicleta). Duchamp chama esses ready-mades compostos de mais de um objeto de ready-mades retificados. Posteriormente, expõe um escorredor de garrafas e, em seguida, um urinol invertido, assinado por R. Mutt, a que dá o título de Fonte, 1917. Outro de seus célebres ready-mades retificados é aquele em que toma uma reprodução da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci (1452 - 1519), e acrescenta à imagem um bigode, um cavanhaque e letras que permitem, quando lidas em francês, a formação de uma frase obscena L.H.O.O.Q.,1 1919. Os ready-mades de Duchamp constituem manifestação cabal de certo espírito que caracteriza o dadaísmo. Ao transformar qualquer objeto em obra de arte, o artista realiza uma crítica radical ao sistema da arte. Assim, objetos utilitários sem nenhum valor estético em si são retirados de seus contextos originais e elevados à condição de obra de arte simplesmente ao ganhar uma assinatura e um espaço em exposições. Os princípios de subversão mobilizados pelos ready-mades podem ser também observados nas máquinas antifuncionais de Francis Picabia (1879 - 1953) e em algumas imagens fotográficas de Man Ray (1890 - 1976). Entre as vanguardas do início do século XX, segundo o crítico Giulio Carlo Argan, o dadaísmo apresenta-se como uma "vanguarda negativa" por "demonstrar a impossibilidade de qualquer relação entre arte e sociedade". A contestação de um conceito de arte leva à defesa, pelo grupo, de que a "verdadeira" arte é a antiarte. Com isso, o movimento dadá nega as definições disponíveis de arte e o próprio sistema de validação dos objetos artísticos. Trata-se de produzir, não "obras de arte", mas intervenções, deliberadamente absurdas e inesperadas. As ações perturbadoras do dadaísmo se revelam na recusa às técnicas propriamente "artísticas" e na utilização de materiais e procedimentos da produção industrial, que são despidos de seus usos e objetivos habituais. O ready-made criado por Duchamp sintetiza esse conjunto de princípios e o espírito crítico que alimenta o dadaísmo: um objeto qualquer pode ser alçado à condição de obra de arte. Ao colocar, por exemplo, uma assinatura no mictório, Duchamp afirma que os objetos não possuem um valor em si, mas que o adquirem em função do juízo de um sujeito e da validação conferida a eles pela definição de uma "autoria". Certo espírito do dadaísmo que o ready-made evidencia é recuperado pelo surrealismo imediatamente posterior, movimento que irá abrigar muitos artistas ligados ao dada. Aí também as escolhas aleatórias presidem a confecção das obras. O objet trouvé (fr. "objeto encontrado") - objeto encontrado ao acaso pelo artista e exposto como obra de arte - segue em linhas gerais o princípio que orienta a confecção do ready-made, ainda que Duchamp faça questão de marcar a diferença entre ambos: enquanto o objet trouvé é escolhido em função de suas qualidades estéticas, de sua beleza e singularidade (implicando então num juízo de gosto), o ready-made elege um objeto entre vários iguais a ele. Nada diferencia ou particulariza a escolha, que é feita de modo totalmente casual. O encontro aleatório de objetos díspares e a defesa de que o trabalho artístico visa romper as fronteiras entre arte e vida cotidiana - afinal, todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte - está na raiz das assemblages da década de 1950, tributárias dos ready-mades de Duchamp e das obras Merz, 1919, de Kurt Schwitters (1887 - 1948). O forte impacto do dadaísmo em geral e dos trabalhos de Duchamp em particular pode ser aferido pelas ressonâncias de suas idéias e pela incorporação de suas técnicas de criação, no expressionismo abstrato, na arte conceitual, nas esculturas junk e na arte pop norte-americana, não por acaso também denominada de neodada. A produção brasileira não fica imune aos influxos trazidos pelo dadaísmo e por Duchamp, o que se verifica em trabalhos de distintas orientações, como nas fotomontagens de Jorge de Lima (1893 - 1953), em certos projetos de Nelson Leirner (1932), em determinados trabalhos de Hélio Oiticica (1937 - 1980), que indiferenciam, cada qual ao seu modo, as fronteiras entre arte e vida. Procedimentos próximos aos da assemblage podem ser observados em obras de Rubens Gerchman (1942 - 2008), Rochelle Costi (1961) e Leda Catunda (1961). Notas 1 Elle lache au cul Atualizado em 30/01/2008 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- TRECHO DO LIVRO "DADA: ARTE E ANTIARTE" Hans Richter M.D ou o antiacaso no ready-made [ ...]Em Duchamp não existem tais "franquezas". Ele joga xadrez sobre o tabuleiro como na vida, um jogo no qual as combinações o estimulam, sem levá-lo supor que exista um sentido atrás de tudo, que pudesse obriga-lo a acreditar em alguma coisa. Cravan, pela maneira com se suicidou, tirou as conseqüências lógicas resultantes de um total desprezo do mundo. Tal coerência convence. Marcel Duchamp tirou outra conseqüências, ele encontrou uma forma de compromisso sublime, que não torna o suicídio obrigatório, e evita o auto-sacrifício. Duchamp adota uma postura que considera a vida uma triste piada, um absurdo indecifrável, que mal compensa investigar. O absurdo total da vida, o caráter fortuito deste mundo desprovido de todos os valores evidenciam-se à sua mente superior, e oferecem-se como derradeira conseqüência do Cogito ergo sum de Descartes. No total desprendimento do homem frente aos acontecimentos do mundo ao redor, na posição segura do ego congito, ele se transportou para um além, sem se matar. Enquanto Cravan se consumiu, absurdamente ou de acordo com algum sentido, no caso de Marcel Duchamp uma constituição mental especial lhe permitiu preserva-se (até a idade de 150 anos) (sic). O ponto arquimediano, por ele encontrado, situado fora da luta pela vida e do sentido, o distanciamento de preconceitos ideológicos (excetuando-se, talvez, a vaidade) fizeram com que na vida à sua volta apenas visse uma comicidade involuntária e triste. Esta comicidade permitiu-lhe sorrir, desprezar, fazer glosas irônicas, comprometer sem piedade, ou estender uma mão soberanamente inteligente. A vaidade, que reconhece como característica humana ("caso contrário nós nos suicidaríamos"), é a sua única concessão. O cogito ergo sum é uma máxima que precisaria ter sido inventada especialmente para ele. Ela está tão viva em Duchamp quanto no dia em que foi formulada. Mas, uma vez que ela adere o paradoxo do absoluto, ela conduz a si própria ad absurdum. Já no início de suas carreiras, os irmãos Villon-Duchamp, Jacques Villon, o pintor, Robert Villon-Duchamp, o escultor que morreu na guerra de 1914-18, e Marcel Duchamp, haviam combinado entre si, como disse certa vez Duchamp, "introduzir um pouco de inteligência na pintura". Marcel a possuís em grande quantidade. Os caminhos pelos quais a arte estava enveredando não lhe agradavam. A arte com estilo, para quem? O filisteu? A pintura, esta "bebedeira com terebintina", uma besteira! Pensamos errado, sentimos errado, vemos as coisas de modo errada! Em 1915, segundo me contou Man Ray, Duchamp veio de Paris para Nova York com um balão de vidro (o qual, proveniente de Paris, naturalmente continha "ares parisienses"), com o qual pretendia presentear o seu amigo, o colecionador de arte Walte Arensberg, e sua esposa. No mesmo ano confrontou o mundo artístico de Nova York, que em 1913 considerara o seu quadro Nu descendant un escalier ora uma "fábrica de ripas em explosão", ora uma obra-prima, com uma nova surpresa: os ready-mades. O ready-made era a dedução lógica a que Duchamp havia chegado a partir da recusa dos empreendimentos comerciais com a arte, e da incerteza quanto a um sentido da vida, de modo geral. A um público de conhecedores de arte ele mostrou: a roda de uma bicicleta, montada num banquinho, um secador de garrafas (comprada no bazar do Hotel de Ville, Paris) e um urinol. Este ready-mades, de acordo com seu decreto, tornavam-se obra de arte, na medida em que ele lhes dava este título. "Escolhendo" este ou aquele objeto, por exemplo uma pá de carvão, ele era retirado do mundo morto das coisas insignificantes, e colocado no reino vivo das obras de arte que deviam ser particularmente observadas: o olhar fazia com que se tornassem obras de arte! Arp, Schwitters e Janco também compreenderam ocasionalmente esta subjetivação arbitrária do mundo dos objetos, utilizando em seus trabalhos matérias-primas do mundo ao redor, em estado natural. Nunca, porém, esta subjetivação foi formulada com uma coerência tão cartesiana. Quem ainda pretendesse inferir algum prazer estético destes ready-mades (que Duchamp não apenas não planejava, como recusava), assim, por exemplo, admirando ritmo do secador de garrafas ou elegância leve da roda, este estacava e renunciava a tais considerações diante do urinol. E se ainda insistisse nisso? "Então deixem-no" - era a opinião de Duchamp. Como membro do júri da I Exposição dos Indépendants em Nova York, Duchamp inscreveu-se com a sua Fonte (urinol), assinando-a com o nome R. Mutt (uma firma que produzia artigos sanitários). Indignados, os co-jurados recusaram este objeto indecente, mas Duchamp insistiu que fosse aceito. Afinal, era uma exposição dos independentes! Não conseguindo, como era previsível, impor-se nem com sua voz, nem com sua Fonte, ele renunciou ostensivamente ao cargo. Entrementes, a Fonte há muito tornara-se a peça principal de numerosas exposições, e no final dos anos cinqüenta, na exposição dadá de Sidney Janais, em Nova York, ela se encontrava acima da porta de entrada que dá acesso ao grande salão, pelo qual tinham passado todos os visitantes... cheia de gerânios. Nem sombra de algum choque. Marcel Duchamp: ready-mades "Já em 1913 tive a feliz idéia de montar a roda de uma bicicleta em cima de um banquinho de cozinha, e de observá-la girando. Alguns meses mais tarde comprei uma reprodução barata de uma paisagem hibernal, à qual dei o nome de Pharmarcy (farmácia), após ter acrescentado dois pequenos pontos no horizonte, vermelho e um amarelo. Em 1915, em Nova York, comprei um pá de neve numa loja de ferramentas, e sobre ela escrevi In advance of a broken arm (Prevenindo um abraço quebrado). Por esta época, aproximadamente, ocorreu-me a palavra ready-made para designar este tipo de manifestação. Desejo ressaltar que a escolha destes ready-mades nunca foi ditada por consideração de prazer estético. A escolha baseava-se numa reação de diferença visual, independentemente de bom ou mal gosto... na realidade um estado de anestesia total (ausência de consciência). Uma característica importante residia na brevidade das frases com as quais ocasionalmente intitulava os meus ready-mades. Com tais frase eu tinha o objetivo de conduzir os pensamentos do telespectador para outras regiões, mais verbais (literárias). Às vezes eu acrescentava algum detalhe gráfico, com o qual satisfazia o prazer que me proporcionam as aliterações - o produto chamava-se, então, Ready-made Aided (Ready-made fomentado ou fabricado). Em outros momentos, a fim de tornar evidente a incompatibilidade e a contradição entre arte e ready-made, eu inventava um Reciprocal Ready-made: um Rembrandt sob forma de tábua de passar roupa. Logo percebi o perigo que residia numa repetição indiscriminada destas formas de expressão, e decidi reduzir a produção de ready-mades a uma pequena quantidade por ano. Naquela época compreendi que para o espectador, mais do que até mesmo para o artista, a arte constitui um meio de induzir ao vício (como o ópio), e eu queria evitar que meus ready-mades passassem por tal processo de conspurcação. Outro aspecto dos ready-mades é a sua falta de originalidade... A reprodução de um ready-made transmite a mesma mensagem... de fato, quase nenhum dos ready-mades que existem hoje é um original na acepção convencional do termo. Uma palavra final com relação a este círculo vicioso: como todos os tubos de tinta usados pelo artista são produtos industriais ready-made, é forçoso concluir que todos os quadros são ready-made confeccionados." (Marcel Duchamp) Após a Fonte e a saída de Duchamp do Comité dos Indépendants em Nova York, há ainda a registrar uma série de objetos misteriosos que Marcel Duchamp acrescentou ao mundo que o cercava. Em 1919, a Mona Lisa de bigode, além de um cheque totalmente manuscrito, destinado ao pagamento de seu dentista (um cheque que este, com muita razão, mandou emoldurar), e uma janela fechada intitulada A batalha em Austerlitz. Em Why not sneeze, ele mostrou uma gaiola de ferro, recheada de mármore sob forma de cubinhos de açúcar. Duchamp utilizou-se freqüêntemente de Rrose Sélavy (cest la vie) para s sua demonstrações poéticas: "Rrose Sélavy et moi esquivons les ecchymoses des Esquimaux aux mots exquis." fonte : niteroi artes ---------------------------------------------------------------------------------------------------------

MARCEL DUCHAMP Porta - garrafas, 1964 66 cm de altura Milão, Galeria Schwarz ready made, antropofagia e brasilidade O ready made de Marcel Duchamp, a antropofagia de Oswald de Andrade e a construção de uma identidade artística brasileira. Não há dúvidas que Duchamp é um dos maiores artistas do séc. XX. Suas atitudes e gestos desmistificaram a arte e provaram que arte e vida podem se relacionar antecipando o conceito de bricolagem que chegou até a música pop na forma de "do it yourself" que é a origem da verve do punk rock. O ready made pressupõe uma incorporação de algo não artístico que é trazido para a esfera do artístico pelo simples gesto do artista, que escolhe e delibera sobre o que é e o que não é arte, mas o próprio ready made não é arte, já que seu objetivo é a ironia e a crítica. Quando Duchamp desce a arte de seu pedestal etéreo para o chão da vida, a arte se "democratiza" como previu Walter Benjamin e, o que veio a se chamar música pop, de um jeito ou de outro, legou o espírito duchampiniano e nos chegou com as vantagens e desvantagens da reprodutibilidade técnica. Esta incorporação de elementos não artísticos se desdobrou, na arte contemporânea, em incorporação de elementos de outras obras para comporem as novas obras, promovendo um rico diálogo entre os artistas e caracterizando a arte moderna e contemporânea pelo meta-discurso. Quando, no final da década de vinte, Oswald de Andrade propõe uma antropofagia artística, há uma desmistificação da idéia segundo a qual construir uma identidade nacional seria retomarmos apenas os primeiros habitantes dessa terra: os índios. Partindo desta proposta, Oswald cria o conceito de antropofagia, no qual nossa cultura devora o estrangeiro e, a partir dessa incorporação (um corpo que devora o outro), há uma constituição artística autêntica. Os índios brasileiros nunca praticavam antropofagia para se alimentarem, mas sim com a intenção de incorporar o inimigo, reconhecendo suas virtudes e desejando obtê-las por meio deste ato. Este seria o principal traço de uma cultura tipicamente brasileira, o colonizado devora o colonizador: na arte os papéis se invertem. Como disse Tom Zé, "a bossa nova inventou o Brasil e teve que fazer direito". É esta a grande inovação que a geração da ditadura nos legou: No auge da repressão, o espírito da modernidade artística chega à música pop/popular brasileira e, desprovido de bons modos, devora os estrangeiros, incorporando suas virtudes do modo mais brasileiro. Oswald tinha razão: a brasilidade sempre esteve no canibalismo, o Brasil é junção, mistura, incorporação, em uma palavra: antropofagia. Do mesmo modo que, por exemplo, o congado mineiro tem ritmos africanos para louvar Nossa Senhora do Rosário [os santos europeus convivem com orixás africanos] Gilberto Gil e Os Mutantes utilizaram guitarras elétricas para os puristas da M.P.B no Domingo no Parque: chuva do mesmo bom sobre os caretas. Sempre fomos miscigenação, sempre fomos inclassificáveis como disseram Arnaldo Antunes e Chico Science. O tropicalismo traz a antropofagia da esfera da literatura/filosofia para a cultura de massa, incorporando elementos da música pop do hemisfério norte, e traduzindo-os em uma nova linguagem. A partir daí a música pop/popular brasileira aprendeu a devorar. A tropicália, no final dos anos sessenta, inicia o banquete proposto por Oswald de Andrade. Já a década de oitenta quase não devorou, apenas engoliu e, nos anos noventa, temos uma retomada da antropofagia. E assim o tropicalismo ensinou: decifra-me, ou te devoro. Incorporação de tudo o que pulsa, que vive, do rock aos regionalismos, da inovação absoluta da bossa nova de João Gilberto, até o iê iê iê romântico mal deglutido da jovem guarda. O Virna Lisi, grupo mineiro, pioneira e magistralmente propôs um rico diálogo entre rock , samba e experimentações fonéticas, o que antecipou e, sem dúvidas, influenciou propostas artísticas bem sucedidas comercialmente, como os Raimundos, e bem sucedidas artisticamente, como o movimento Manguebeat. Chico Sciense emblematicamente simbolizou o movimento com a parabólica fincada na lama do manguezal. E os pernambucanos do Manguebeat reinventaram a música pop/popular do Brasil devorando os estrangeiros e divulgando a cultura do mangue para o mundo. Essa marca da modernidade deixada por Duchamp nos legou a atitude característica do contemporâneo: a paródia, a apropriação, o diálogo, a arte que fala de si mesma. O Brasil soube incorporar estes elementos de forma única e podemos senti-la por toda parte. Desde, por exemplo, as experiências de djs que utilizam trechos de canções da black music norte americana até Adriana Calcanhoto, que confeccionou uma música utilizando somente fragmentos de canções de Caetano Veloso para criar uma nova canção intitulada "vamos comer caetano". Se a música baiana tem como característica principal, além das percussões, a guitarra elétrica; se os músicos do clube da esquina dizem amar os Beatles e se a bossa nova incorporou elementos do jazz e vice versa, isto significa que o Brasil dialoga de igual para igual com o hemisfério norte, ao menos em termos artísticos e, no século vinte, acompanhou plenamente as vanguardas mundiais. O manifesto da poesia pau-brasil de Oswald de Andrade foi escrito no mesmo ano do manifesto surrealista de Breton, 1924. O movimento tropicalista delineou os caminhos da música brasileira e abriu portas para experimentações abalando os pilares da conservadora cultura de massa. Essas ousadias nos proporcionaram incríveis propostas artísticas, desde bandas como Secos & Molhados que até mesmo inspiraram o que veio a ser o grupo Kiss, a partir da famosa recusa de Ney Mato Grosso em participar, até a pulsante atmosfera contemporânea de bandas e artistas independentes que optam pelo risco, pela autenticidade, pela independência eminentemente criativa, devorando o que lhes interessa da cultura de massa e transformando isso em boa música pop/popular. Para exemplificar cito artistas que estou ouvindo ultimamente e que endossam meu argumento: O Vanguart de Cuiabá, O Seychelles de São Paulo, o borTam, Pedro Morais e Batucanto de Belo Horizonte, entre tantas outras... texto publicado originalmente no jornal "O Cometa Itabirano" em Julho de 2008. fonte : http://www.overmundo.com.br/overblog/ready-made-antropofagia-e-brasilidade-1 ------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Data 04/04/2010
Fonte cda

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