História da Arte |
Uma nota sobre Guy Debord
e a Internacional Situacionista
Vivemos numa época de grave crise de perspectivas. As lutas operárias praticamente desapareceram do cenário geopolítico de um mundo pautado pela lógica da transnacionalização do capital. No momento de crise há sempre a oportunidade, principalmente para os historiadores, de revisitar experiências de lutas sociais no sentido de, ao apresentá-las, na lógica da experiência derrotada, apresentar também a fragilidade da vitória do capital. Mais oportuna ainda é a revisitação de experiências derrotadas no seio dos derrotados, isto é, estudar-se a derrota da dissidência em meio a esquerda derrotada. O movimento Situacionista, centrado na expressão da práxis político-intelectual de Guy Debord, nunca se apresentou em lutas por hegemonia como projeto político. Pelo contrário, seu papel foi o de afrontar as vicissitudes dos projetos revolucionários de seu tempo no sentido de anunciar-lhes a derrota antecipada, já que a ontologia política de tais movimentos apresentava-se como face da mesma moeda das sociabilidades do projeto burguês; o comunismo institucionalizado dos PCs aparecia historicamente como concorrente (e quase sempre como parceiro) na mesma esfera institucional da sociedade burguesa. O movimento situacionista punha-se não só como o negativo da sociabilidade burguesa, mas também como o negativo daqueles que se antepunham "formalmente" a tal sociabilidade; o situacionismo quis-se como o negativo das negações formais (vide as práticas políticas dos socialismos contemporâneos) da sociedade burguesa.
A Internacional Situacionista (IS) foi fundada em 1958 e dissolvida em 1972 (o último número da revista do movimento, num total de doze edições, é de 1969). Fundada e dissolvida por Guy Debord, a Internacional Situacionista no período de sua existência, não reuniu mais que setenta membros. Desses, dezenove desligaram-se e quarenta e cinco foram expulsos (expulsos, obviamente, por Debord). Tal característica, a de pequeno grupo, atendia bem aos propósitos do movimento:
"a I.S. só poderá ser uma conspiração dos Iguais, um Estado - Maior que não quer tropas (...). Nós apenas organizamos o detonador; a livre explosão deverá subtrair-se-nos e subtrair-se também qualquer outro controle" (Revista Internacional Situacionista, n. 08, 1963 - in HENRIQUES, 1997: 11).
E qual foi o projeto político do situacionismo francês? A crítica radical da vida cotidiana no capitalismo. Da crítica da vida cotidiana propunha-se a desmontagem do capitalismo enquanto civilização (HENRIQUES, 1999: 15). E do cotidiano a disseminação revolucionária generalizada da autogestão conselhista, o único termo político possível para um cotidiano livre de suas formas reificadas.
A "sociedade - espetáculo" é o mundo das pseudo-necessidades, o mundo da economia do consumo, o mundo do espaço-tempo da "monotonia imóvel", o mundo em que o viver tornou-se uma representação caricata da própria forma-mercadoria, enfim, o mundo em que o valor de troca das mercadorias acabou por dirigir o seu uso (DEBORD, 1997: 33) - a mercadoria como o centro absoluto da vida social (GOMBIN, 1972: 82). O movimento do ser para o ter, degradando-se ainda mais, no movimento do "parecer" ter (JAPPÉ, 1999: 19). Ou seja, o espetáculo é a afirmação ulterior de um outro momento da reificação social, a confirmação da "baixa tendencial do valor de uso", em que a "fabricação ininterrupta de pseudo-necessidades" impõe a lógica da contemplação passiva sobre o todo social (DEBORD, 1997: 33-35). É preciso que se ressalve que os situacionistas não negam o consumo em si, mas a escolha condicionada das pseudo necessidades (GOMBIN, 1972: 83).
Se para Marx a vida social no capitalismo se reduz ao valor, à economia e suas leis, para Debord, o espetáculo absolutiza a economia à sua própria imagem e essa, tautologicamente, impõe a circularidade da imagem-mercadoria como a entificação do pseudo-desejo de consumo contemplativo da "geologia" mercantil, a mercadoria no seu auto-movimento aparece à sociedade como uma segunda natureza. Como afirma Debord: "O espetáculo estende a toda a vida social o princípio que Hegel, na Realphilosophie de Iena, concebeu como o do dinheiro: é 'a vida do que está morto se movendo em si mesma'" (DEBORD, 1997: 138 -139).
O espetáculo como a absolutização da mercadoria na vida social impõe a esta não só o absoluto da reificação, mas também a negação de um tempo histórico que veja na sua irreversibilidade intrínseca a caracterização do sentido da experiência social. O espetáculo paralisa o sentido social da história e da memória, o espetáculo é a tradução da falsa consciência do tempo (DEBORD, 1997: 108).
A burguesia afirmou-se historicamente no tempo do trabalho. Liberou a sociedade do tempo cíclico, o tempo das sociedades "estáticas", marcadas pelo modo agrário de produção e determinadas pelos ciclos temporais da natureza. "A vitória da burguesia é a vitória do tempo profundamente histórico, porque é o tempo da produção econômica que transforma a sociedade, de modo permanente e absoluto" (DEBORD, 1997: 98).
O tempo do trabalho, o tempo irreversível da produção ao romper com o tempo cíclico, afirma a "vitória do tempo profundamente histórico", a vitória da sociedade em auto transformação permanente e absoluta, mas, este tempo é o tempo das coisas (DEBORD, 1997: 99) e o tempo das coisas elimina crescentemente o sentido do tempo vivido. Isto é, no tempo cíclico das sociedades agrárias, o tempo, mesmo naturalizado, afirmava aos indivíduos a possibilidade real de um tempo histórico vivido. Com a produção industrial e seu tempo irreversível, esse tempo socialmente vivido é eliminado. Na passagem histórica das sociedades de tempo cíclico para as sociedades de tempo irreversível, formou-se efetivamente a consciência histórica. Mas essa consciência eliminou-se com a disseminação do tempo das mercadorias na vida social. A historicidade das sociabilidades passou a ser mediada pela historicidade das coisas-mercadorias. Nesse momento, o tempo só se diferenciará pela quantidade das coisas - o tempo como valor de troca; esse é o tempo-espacializado, não humano, o tempo reificado. O tempo das coisas reconstituiu o caráter cíclico no cotidiano, a mercadoria naturalizou os homens; o novo tempo-cíclico no cotidiano realiza-se no tempo mercadoria dos atos-mercadoria, como o consumo, o dia do trabalho, a noite do descanso, as férias; o tempo no cotidiano do capitalismo crescentemente perdeu o seu valor de uso, tornando-se efetivamente valor de troca e neste momento, o tempo irreversível dos acontecimentos é comandado pelo espetáculo; os homens no cotidiano podem apenas contemplá-lo, mas nunca vivê-lo efetivamente. No cotidiano do viver capitalista não existem mais acontecimentos, deixa de existir a irreversibilidade do tempo para o existir do falso-acontecimento do espetáculo. No cotidiano da reificação não há história, mas o tempo cíclico das pseudo-necessidades impostas pelo espetáculo: o carro novo, a segunda TV, etc. O tempo é matéria-prima de novas mercadorias. No tempo cíclico das pseudo-necessidades a história deixa de existir, "o espetáculo deve negar a história, dado que ela (a história) demonstra que nada é lei mas que tudo é processo e luta (...) o espetáculo é o reino de um eterno presente que pretende ser a última palavra da história" (JAPPÉ, 1999: 55).
Com a globalização da economia capitalista "o tempo irreversível unificou-se mundialmente, o tempo da produção se manifesta por todo o planeta como o mesmo dia", e esse momento de tempo unificado é o do mercado mundial e, corolariamente, o tempo unificado do espetáculo (DEBORD, 1997: 101). Em 1967, Guy Debord não só apresentava um diagnóstico - que ainda é tão atual, mas também, como conseqüência desse diagnóstico - ao apresentar uma sintética explicação da lógica imperialista no mundo - indicava já a fragilidade das lutas promovidas pela esquerda mundial: "Nos lugares onde a base material ainda está ausente [o Terceiro Mundo - João Alberto], em cada continente, a sociedade moderna já invadiu espetacularmente a superfície social. Ela define o programa de uma classe dirigente e preside sua formação. Assim como ela apresenta os pseudo-bens a desejar, também oferece aos revolucionários locais os falsos modelos de revolução" (DEBORD, 1997: 38 - 39).
Na crítica a quase todos os programas da agenda revolucionária que lhe era contemporânea, Debord definia a revolução como o ato que haveria de reivindicar o viver do tempo histórico, e isso só seria possível na revolução da vida cotidiana. Para os situacionistas, o proletariado é o sujeito da revolução, e por proletariado definem a imensa maioria dos trabalhadores que perderam qualquer controle sobre sua vida. A disseminação das pseudo-necessidades afirma a proletarização, assim, o espaço da revolução não poderia mais ser somente o da produção mas o espaço da vida social, o espaço do cotidiano, e não seriam apenas as condições objetivas da materialidade desse mundo que poderiam instrumentalizar o surgimento da revolução, mas a condição subjetiva da grande recusa.
Os situacionistas enfatizavam a recusa em bloco das condições existentes e faziam dessa recusa um princípio epistemológico - "a compreensão deste mundo só pode basear-se na contestação. E esta só tem verdade e realismo, enquanto contestação da totalidade" (DEBORD, in JAPPÉ, 1999: 39). A recusa total, a contestação total, passa pela "multidão de atos espontâneos tendentes a modificar radicalmente o espaço-tempo atribuído pela classe dominante" (GOMBIN, 1972: 92).
Os situacionistas sugerem na luta revolucionária a larga experiência histórica do movimento conselhista, a experiência de "correntes revolucionárias radicais", animadas por um projeto: "o projeto do homem total, uma vontade de viver totalmente à qual Marx teria sido o primeiro a dar uma tática de realização científica" (VANEIGEM, 1980: 69). A supressão do poder, do mundo das pseudo-necessidades (esse é o poder de fato), também realizaria a arte. Para os situacionistas a arte sempre foi a mais alta forma do trabalho criador. E foi na crítica da arte contemporânea que o movimento inicialmente construiu sua crítica da sociedade espetáculo.
O movimento situacionista definiu-se em 1958 como uma dissidência do Movimento por uma Bauhaus Imaginista, da Internacional Letrista e do Comitê Psicogeográfico de Londres (HENRIQUES, 1997: 11). Subtraiu desses grupos a prática negadora da arte alienada. Recusavam-se a uma arte fechada apenas nos seus propósitos estilísticos e formais. Queriam uma arte de ambiência, isto é, uma arte derrisiva com o ambiente neutro e passivo de sua exposição; queriam uma arte que negasse o sentido da própria arte, uma arte que afirmasse aos homens as impossibilidades contemplativas, uma arte como criação permanente e permanentemente reconstruída. Criação sem qualquer capacidade autoreferente, que evitasse a construção da tradição em valores específicos que aos poucos a definiriam como alheia às realidades da vida cotidiana.
Quando Guy Debord dissolveu a I.S. em 1972, o fez para cumprir a regra que modelava o movimento. Naquela ocasião, o "quartel-general" começava a querer ter tropas e para evitar isso, a liderança máxima que nunca se quis como liderança, se auto-dissolveu. O movimento mesmo desaparecido continuou deixando influências. Guy Debord continuou escrevendo, para reafirmar a factibilidade e veracidade de suas proposições, apresentadas em 1967. Com câncer, suicidou-se em 1994. Hoje, é inquestionavelmente uma referência clássica do marxismo contemporâneo, ainda que, seu legado, ao menos no Brasil - para seu desespero, se ainda estivesse vivo - esteja reduzido a moda intelectual em certos círculos "radicais" de jovens bem "nutridos" da alta classe média, alocados em certos departamentos de algumas instituições acadêmicas, que fazem da obra de Guy Debord apenas uma expressão retórica para um certo criticismo acadêmico sobre o universo "espetacularizado" das mídias na sociedade contemporânea.
fonte : http://www.espacoacademico.com.br/048/48cpinto.htm
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SITUACIONISMO
Situacionismo
Definição
Situacionismo é um movimento europeu de crítica social, cultural e política que reune poetas, arquitetos, cineastas, artistas plásticos e outros profissionais. Seu início data de julho de 1957, com a fundação da Internacional Situacionista, em Cosio dAroscia, Itália. O grupo se define como uma "vanguarda artística e política", apoiada em teorias críticas à sociedade de consumo e à cultura mercantilizada. A idéia de "situacionismo", segundo eles, se relaciona à crença de que os indivíduos devem construir as situações de sua vida no cotidiano, cada um explorando seu potencial de modo a romper com a alienação reinante e obter prazer próprio. Do ponto de vista da reflexão, as principais fontes dos situacionistas são utopistas como Charles Fourier e Saint-Simon, hegelianos como os filósofos alemães Ludwig Feuerbach e o jovem Karl Marx. O clima intelectual e político francês dos anos 1950 e 1960 alimenta o movimento, que, por sua vez, auxilia a redefinir os contornos da época. A tradução francesa de História e Consciência de Classe, de Georg Lukács, a edição dos dois primeiros volumes da Crítica da Vida Cotidiana, de Henri Lefebvre, as reflexões dos pensadores da Escola de Frankfurt, e as revistas Socialismo e Barbárie e Argumentos, entre outros, marcam a reflexão social, cultural e política do momento, apontando para os efeitos perversos do capitalismo avançado, bem como para a necessidade de alterar a ordem social pela reinvenção da vida cotidiana. A utopia maior que norteia o situacionismo é a projeção de uma sociedade comunista próxima aos ideais anarquistas, capaz de ser alcançada pela recusa radical do autoritarismo de Estado e da burocracia.
Às reflexões teóricas os situacionistas associam uma série de intervenções - distribuição de panfletos, declarações, envio de telegramas etc. - com o objetivo de marcar com clareza suas posições sociais, culturais e políticas. No âmbito da atuação política, o grupo se engaja em formas de apoio aos movimentos de contestação que ocorrem na época. Apóiam as revoltas das comunidades negras de Los Angeles, Estados Unidos, em 1965; as iniciativas operárias, fora dos sindicatos e partidos; as atividades de autogestão e os conselhos operários criados na Espanha e Argélia; o movimento estudantil e os acontecimentos de maio de 1968, suscitados com a contribuição do grupo. Do ponto de vista artístico, as principais fontes do movimento são o dadaísmo e o surrealismo - sobretudo pela conexão por eles defendida entre arte e vida - e o letrismo1 do poeta romeno Isidore Isou e do pintor francês Gabriel Pomerand. Frutos de dissidência no interior do letrismo, A Internacional Letrista e o boletim Potlach, 1954/1957, criados por Michèle Bernstein, Mohamed Dahou, Guy Debord, Gil Wolman, entre outros, desenham um primeiro esboço das teses situacionistas. A intenção estratégica de Potlach, segundo Debord, um dos expoentes do movimento, é promover a "reunificação da criação cultural de vanguarda e da crítica revolucionária da sociedade". E a Internacional Situacionista, afirma ele, em 1985, "é criada sobre essa mesma base". Articulações entre arte e vida, arte e política, arte e cidade, são alguns dos eixos do letrismo internacional retomados pelo situacionismo. Trata-se de ver a poesia, "para lá da estética", nos rostos dos homens e na forma das cidades, anuncia o nº 5 do Potlach, 1954. "A nova beleza", dizem eles, "será de SITUAÇÃO, quer dizer, provisória e vivida." A idéia de realizar intervenções no ambiente, cara aos situacionistas, já está posta. Práticas como a "deriva", a "psicogeografia" e o "desvio" defendem as perambulações ao acaso pela cidade e estimulam as reinterpretações do espaço com base na experiência vivida (ver o Guia Prático para o Desvio, 1956, de Wolman e Debord). As práticas e intervenções no espaço urbano têm como fonte a crítica da vida cotidiana; por isso o urbanismo e a arquitetura constituem dimensões fundamentais para letristas e situacionistas.
A abertura do Letrismo Internacional a outros grupos cria as condições para a fundação da Internacional Situacionista. A amizade de Debord com Asger Oluf Jorn estreita os laços com o Grupo CoBrA - sobretudo com Constant e Jorn - e com o movimento por uma Bauhaus imaginista, fundado em 1955 por Jorn e pelo pintor italiano Pinot-Gallizio. A defesa da livre expressão e do gesto espontâneo associada às convicções políticas faz do Grupo CoBrA um aliado primeiro do situacionismo. A aproximação com o grupo se dá em 1949, principalmente pelas teses sobre "o desejo, o desconhecido, a liberdade e a revolução" defendidas por Constant na quarta edição da revista CoBrA, que se tornam centrais para o movimento situacionista. São também evidentes os interesses dos letristas internacionais pela reflexão sobre o urbanismo empreendida pelo movimento de Jorn e Pinot-Gallizio, que partem de uma crítica à funcionalidade excessiva praticada pela Bauhaus de Gropius.
Não por acaso a plataforma que marca o início das atividades da Internacional Situacionista intitula-se "Para um urbanismo unitário". A revista Internacional Situacionista, 1958/1969, apresenta as formulações teóricas do grupo e acompanha as atividades de seus membros. Do conjunto, apreendem-se duas críticas fundamentais. Uma que diz respeito à vida cotidiana e à sociedade do espetáculo mercantil. Trata-se de libertar a vida do cotidiano e separar o tempo da organização do trabalho. Uma segunda crítica incide sobre a cultura como "mercadoria ideal do capitalismo avançado". A idéia da servidão posta pela "sociedade do lazer" encontra-se esboçada na obra maior da teoria situacionista, A Sociedade do Espetáculo, 1967, de Debord, a liderança mais importante do movimento. Além dessa obra, que alcança grande repercussão em 1968, Debord é autor de diversos artigos e livros, e responsável por alguns filmes, entre os quais Hurlement en Faveur de Sade [Grito a Favor de Sade], 1952. Realiza também com Bernstein e Jorn exposições de fotografias, como a de Paris, em 1961.
Após um período marcado pela criação de diferentes seções do situacionismo em diversos países da Europa (Grã-Bretanha, Alemanha, países nórdicos etc.), de 1958 a 1969, e uma espécie de auge do movimento alcançado por ocasião dos acontecimentos de maio de 1968, Debord anuncia oficialmente, em abril de 1972, a dissolução do situacionismo. Muitos de seus membros continuam a participar dos movimentos de esquerda nos anos 1970. No Brasil, a editora Conrad Livros, criada na década de 1990, em São Paulo, tem sido a grande responsável pela edição das obras de Debord e dos situacionistas e pelo ressurgimento do interesse por essas idéias entre artistas brasileiros.
Nota
1 "[...] movimento literário e artístico idealista, fundado em Bucareste em meados dos anos 40 [...]. In: DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas & movimentos: guia enciclopédico da arte moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p.192.
Atualizado em 18/05/2009
fonte : Itaú Cultural
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INTERNACIONAL SITUACIONISTA
HISTÓRIA
A Internacional Situacionista (IS) foi um movimento internacional de cunho político e artístico. O movimento IS foi ativo no final da década de 60 e aspirava por grandes transformações políticas e sociais. A primeira IS foi desfeita após o ano de 1972[1].
O movimento surgiu na vila italiana de Cosio dArroscia, Liguria, em 28 de julho de 1957 com a fusão de várias tendências artísticas, que se auto definiam a vanguarda da época: Internationale lettriste, o International movement for an imaginist Bauhaus e a London Psychogeographical Association. Esta fusão incluiu influências adicionais do movimento COBRA, dadaísmo, surrealismo, e Fluxus, e foi inspirado pelo Conselho operário e pela Revolução Húngara de 1956.
Os mais famosos membros do grupo eram Raul Vaneigem e o francês Guy Debord, que tendiam a polarizar as opiniões. Apesar de Vaneigem ter saído da Internacional Situacionista, expulso por Debord, suas contribuições vão além das artes e do urbanismo. Em seu livro "A Arte de Viver para as Novas Gerações", publicado em 1967, todos os pilares desta sociedade são questionados. A inversão da perspectiva foi sistematicamente exposta como o momento em que a subversão constrói um novo mundo.
Quanto a Debord, alguns o descreviam como aquele que deu a clareza intelectual ao movimento; outros diziam que ele exercia controle ditatorial sobre a escolha dos membros e desenvolvimento do grupo, enquanto outros acreditavam que ele era um bom escritor, mas um pensador secundário. De todo modo, não há dúvida de que foi um grande ativista político. Tanto seus filmes quanto o seu livro "A Sociedade do Espetáculo" (1967) tiveram grande repercussão no cenário político francês e europeu.
Dentre os membros da IS destacam-se: o escritor ítalo-escocês Alexander Trocchi, o artista inglês Ralph Rumney (único membro da London Psychogeographical Association, expulso logo após a formação da IS), o artista escandinavo Asger Jorn, o veterano da revolução húngara Attila Kotanyi e a escritora francesa Michèle Bernstein.
De uma forma ou de outra, as correntes que precederam a IS viam no seu propósito a redefinição radical do papel da arte no século 20. Os próprios "situacionistas" tinham um ponto de vista dialético, assumindo a tarefa de "superar" a arte, abolindo a noção de arte como uma atividade especializada e separada e transformando-a naquilo que seria parte da construção da vida cotidiana.
Do ponto de vista situacionista, a arte ou é revolucionária ou não é nada. Desta forma, os situacionistas se viam como os responsáveis por completar o trabalho dos dadaístas e surrealistas, enquanto aboliam os dois movimentos. A despeito disso, os situacionistas respondiam a pergunta "O que é revolucionário?" de maneiras diferentes em momentos diferentes.
Mas se no início a idéia era criticar a arte, já nos primeiro números da revista, a compreensão era de que a superação da arte só viria pela transformação ininterrupta do meio urbano. Não era construir cidades ideais, como Jorn pensou por muito tempo, mas fazer do urbanismo e da arquitetura ferramentas de uma revolução do cotidiano. Essas idéias surgiram quando do esgotamento das discussões da Internacional Letrista - grupo de que Debord participou antes da IS. Destas pesquisas sobre arte e urbanismo, resultaram a psicogeografia e seu procedimento de pesquisa - a deriva.
A IS sofreu divisões e muitos membros foram expulsos desde o seu início. Uma dessas divisões resultou na criação de dois grupos: a seção parisiense, que manteve o nome original, e a seção alemã conhecida como Segunda Internacional Situacionista que se organizou sob o nome de Gruppe SPUR. Enquanto a história da IS foi marcada por um ímpeto de revolucionar a vida, a separação entre franceses e alemães marcou a transição de uma visão artística da revolução para uma visão claramente política.
Aqueles ligados à visão artística viam na evolução da IS o surgimento de uma organização enfadonha e dogmática, enquanto aqueles que seguiram a visão política viram os acontecimentos de maio de 1968 como uma consequência lógica da abordagem dialética da IS: enquanto enfrentavam a sociedade atual, eles buscavam uma sociedade revolucionária que poderia incorporar as tendências positivas do desenvolvimento capitalista.
A "realização e supressão da arte" é simplesmente a mais desenvolvida das "superações" que a IS buscou por anos. Para a Internacional Situacionista de 1968, o triunfo mundial dos conselhos de trabalhadores levaria a todas as superações.
[editar] Maio de 1968
Ver artigo principal: Maio de 1968
Um importante evento que conduziu ao Maio de 1968 foi o chamado "Escândalo de Estrasburgo". Um grupo de estudantes utilizou fundos públicos para publicar um panfleto com um libelo da IS, "A miséria do meio estudantil". O panfleto circulou em milhares de cópias e fez os situacionistas conhecidos por toda esquerda não stalinista.
As ocupações de 1968 começam na Universidade de Paris em Nanterre e chegam até a Sorbonne. A polícia tentou desocupar a Sorbonne e acabou iniciando um distúrbio. Em seguida uma greve geral foi declarada com a participação de até 10 milhões de trabalhadores. A IS originalmente participou das ocupações da Sorbonne e defendeu as barricadas nos distúrbios. Também distribuiu chamados para ocupação de fábricas e para a formação de conselhos de trabalhadores mas, desapontada com os estudantes, deixou a universidade para criar o C.M.D.O., um "[[Conselho para Manutenção da Ocupação]]" que distribuiu as demandas da IS numa escala muito maior. O governo e as uniões sindicais chegaram a um acordo mas nenhum trabalhador voltava ao trabalho. A greve terminou somente quando o presidente Charles de Gaulle colocou as forças armadas nas ruas de Paris. Logo após, a polícia retomou a universidade Sorbonne e o C.M.D.O. foi dissolvido.
[editar] Idéias da Internacional Situacionista
A sociedade do espetáculo: "Nós vivemos em uma sociedade do espetáculo, isto é, toda a nossa vida é envolta por uma imensa acumulação de espetáculos. As coisas que eram vivenciadas diretamente agora são vivenciadas através de um intermediário. A partir do momento que uma experiência é tirada do mundo real ela se torna um produto comercial. Como um produto comercial o "espetacular" é desenvolvido em detrimento do real. Ele se torna um substituto da experiência." - Tradução de trecho do livro Spectacular Times de Larry Law.
"O espetáculo não é uma coleção de imagens, mas uma relação social entre pessoas, intermediada por imagens... O espetáculo em geral, como uma concreta inversão da vida, é um movimento autônomo do não vivente... O mentiroso mentiu pra si mesmo" - Guy Debord
Os situacionistas argumentariam contra qualquer separação entre um espetáculo "falso" e a "verdadeira" vida cotidiana. Debord contrastando Hegel diz que dentro do espetáculo, "o verdadeiro é um momento do falso". O espetáculo não é uma conspiração. Os Situacionistas diriam que a sociedade chega ao nível do espetáculo quando praticamente todos os aspectos da cultura e experiência são intermediados por uma relação social capitalista.
fonte : wikipedia
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