História da Arte |
gal, 1925.
O trabalho de Teixeira se caracteriza por uma busca interior. Assim, o artista escolheu o desenho e a pintura, pois estas linguagens lhe serviam como registro psicológico. Ao refletir sobre a arte, disse o artista: "a arte (...) é multiforme e em incessante evolução, em sempre renovados esforços para apreender a sua fugidia e complexa verdade, uma verdade que está e não está nas aparências e que diz respeito a algo que é ao mesmo tempo visível e invisível, material e espiritual" .
Naturalizado brasileiro, nasceu em Portugal, em São João do Estoril, em 1925. Estudou na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa, de 1947 a 1950. Nesta época, sua obra era figurativa, fauvista e expressionista. Mudou-se para São Paulo em 1950, após uma viagem pela Espanha e França, vivendo nesta cidade até 1973, quando se transferiu para Campinas (SP). Foi aluno do Atelier Abstração entre 1952 e 1955, participando de duas mostras coletivas do grupo, em 1953 e 1955. Na época, influenciado por Flexor, se tornou abstracionista geométrico. Entre 1956 e 1958, viveu na Europa, onde teve contato com o abstracionismo lírico que, segundo Teixeira, correspondia mais à sua índole de artista, e que iria marcar todo o seu trabalho posterior.
Mário Schenberg escreveu sobre esta fase de Teixeira: "pintava grandes telas com um fundo monocromático de matéria modulada, sobre o qual sobressaíam manchas de outras cores e matérias. Essas telas criavam a sensação de envolvimento cósmico, carregado de interrogação e mistério" . Mais tarde, os efeitos de matéria foram substituídos por faixas de cor vibrante, que ao longo dos anos foram diminuindo, até se tornarem linhas. O artista também trabalhou nesta época com aquarelas sobre papel.
No início dos anos setenta se dedicou ao ensino, em diversas instituições, e aos estudos teóricos. Voltou a produzir nos últimos anos desta década, com alguns desenhos a lápis sobre folhas de jornal, unindo seu mundo interior à realidade histórica das notícias. Ao mesmo tempo, fazia desenhos mesclando o bico de pena à aquarela. Esta fase possui, segundo Mário Schenberg, a musicalidade de seu período abstrato geométrico, ao mesmo tempo em que mantém o mistério cósmico de suas obras abstratas expressionistas.
O artista participou das II, III, V, VII e VIII Bienais de São Paulo, e recebeu o 1º Prêmio Esso de Pintura, e o 2º Prêmio Leirner de Pintura.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto
ANÉSIA PACHECO E CHAVES
Paris, França, 1932.
"A minha opção é principalmente crítica. Transgressora de uma série de valores que estão em mim, no meu próprio trabalho, no sistema de arte no qual transito", disse a artista, em depoimento, em 1977, no MAC-USP. Anésia, ao mesmo tempo em que trabalha a ruptura de sistemas e tradições, é uma artista confessional, que busca entender a si mesma, entender sua condição de mulher, e propor ao público a realização do mesmo processo.
Nascida na França, mas vivendo em São Paulo desde os quatro anos, Anésia cursou dois anos da Escola de Belas Artes, em São Paulo, e estudou com Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Lívio Abramo e Samson Flexor, no Atelier Abstração. Em Paris, a partir de 1952, cursou a Académie de La Grande Chaumière, e História e Crítica de Arte na "École du Louvre", além de ter estudado com Fernand Lèger e André Lhote.
Nos anos sessenta, a artista realizou pinturas em que fazia incisões. Desta fase, escreveu Geraldo Ferraz, em mostra da artista na Galeria Atrium, São Paulo, em 1965: "a nota dominante de sua temática é esta forma negra, porque nela a artista pôs todo seu silêncio e sua contenção". A partir de 1972, começou a mesclar seus trabalhos com palavras escritas, estudando dicionários de símbolos. No início, brincava com o espectador, deixando-as em relação ambígua ou contraditória. Depois, passou a integrar as palavras para transmitir idéias diretas. "Parti da forma simbólica: o círculo, o quadrado, a espiral, a pirâmide, o oval, etc. Aí apareceram as letras e a seguir as palavras. No início a procura de uma complementação; a seguir confrontação. Duas maneiras de expressão: uns subconsciente (a forma simbólica) e outra mais conscientizada (a letra, a palavra) se defrontam e se colocam mutuamente em questão", disse a artista (In: Folha de S. Paulo. São Paulo, 17/06/1974).
A partir de 1975, a artista realizou uma série de livros-obra. Tratava-se de uma nova forma de expressão artística, na qual o público tinha o contato direto com a obra, folheando-a, e encontrando conteúdos os mais diversos: desenhos, colagens, pinturas, textos, gravuras, entre outros. Por um lado, os livros-obra tentavam romper com as formas artísticas vigentes e criar problemas aos sistemas capitalistas de arte. Por outro, o público entrava em contato com verdadeiros diários de artista, aumentando a compreensão a respeito do funcionamento da criação artística.
"Os trabalhos de Anésia não foram feitos para serem descritos, mas para serem vistos e interpretados. Certamente, cada espectador colocará muito de si mesmo nas interpretações, o que de fato, se constitui num dos anseios de sua realizadora", disse Ernestina Karman, em artigo da Folha de S. Paulo, de 02/07/1975. "As mulheres fizeram e fazem seus diários com receitas, poemas, pensamentos e sua vida. Acho que este tipo de produção quase nunca recebeu atenção", disse Marta Suplicy, no mesmo jornal, em 11/11/1980. Anésia não só transformou o cotidiano, a memória e os anseios de uma mulher em obra, mas como, neste período, revolucionou seus meios, transformando a leitura dos cadernos pela própria artista em documento áudio-visual, os Cadernos de uma Mulher.
A artista participou de diversas Bienais de São Paulo, e Salões Paulistas de Arte Moderna, obtendo medalhas de prata e bronze. Publicou os livros Cadernos, E agora mulher, Rolos e Manchas.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto]
CHARLOTTA ADLEROVA
Berlim, Alemanha, 1908. São Paulo, SP, 1989
Artista plástica e publicitária, Charlotta é uma pesquisadora de novas formas e novos materiais, encontrando na geometria a sua linguagem.
Nascida em Berlim, estudou na Escola de Artes e Ofícios Berlin-Charlottenburg, realizando aquarelas figurativas sobre papel, em 1926, e pinturas expressionistas. Veio ao Brasil em 1939, estabelecendo-se em São Paulo, e estudando pintura com Valdemar da Costa. No final dos anos cinqüenta, participou do Atelier Abstração II, de Samson Flexor, realizando trabalhos abstrato geométricos. Charlotta expôs com o grupo em 1961, na Associação Cristã de Moços, em São Paulo.
Charlotta começou então a fazer os seus Scratch Boards, que a própria artista definiu como sua fase mística. Eram desenhos raspados que pareciam flutuar nos fundos escuros. Depois, a artista realizou trabalhos geométricos sobre isopor, onde buscava o movimento, desenhando quadrados repetidos em evolução: os "polípticos". Samson Flexor, em 1968, disse desta fase de Charlotta: "com efeito, a superposição excessiva de vários e sempre mesmos polígonos regulares, estimula o 'espirit de finesse' do geômetra que dorme em cada um de nós, para descobrirmos uma infinitude de novos polígonos resultantes".
A partir de 1969, trabalhou também com a gravura, em composições geométricas. Depois, deixou de lado os quadrados, se dedicando às espirais, que criavam novos jogos rítmicos. A artista também utilizava a colagem de fitas nas gravuras.
Charlotta foi também uma das precursoras da história da propaganda no Brasil, trabalhando em agências até 1965, e expondo nas galerias das agências J. Walter Thompson, em São Paulo e Nova Iorque, entre 1964 e 1971. Francisco Gracioso disse deste aspecto da artista: "ao chegar ao Brasil, em 1939, Charlotta trouxe uma sólida bagagem artística e cultural, que lhe permitiu incorporar-se rapidamente ao núcleo mais ativo da então nascente propaganda brasileira. Introduziu novas técnicas e transformou-se em braço direito dos grandes diretores de arte da época". Charlotta afirmou que a Escola de Artes e Ofícios Berlin-Charlottenburg que cursara em 1926 possuía o currículo fortemente influenciado pelos ensinamentos da Bauhaus, em que arte, arquitetura e design eram fundidos ao mesmo aprendizado, formando-se "artistas-totais".
A artista ainda participou dos VI, VII, XIV, XV e XVII SPAM, entre 1957 e 1968, e integrou a XI Bienal Internacional de São Paulo.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto
ERNESTINA KARMAN
Santos, SP, 1915. São Paulo, SP, 2004.
Ernestina Karman é artista, pesquisadora, professora e crítica de arte. Inovadora, estudou durante anos novos materiais plásticos. "Indiscutivelmente, houve uma dedicação em Ernestina Karman para o domínio de sua difícil matéria. Hoje, o que era uma pesquisa e uma experiência, tornou-se, não se pode negá-lo, uma presença integrada na história de nossa mais recente pintura", escreveu Geraldo Ferraz, em 1963, por ocasião da mostra Ernestina Karman: pinturas e desenhos, em São Paulo.
Entre 1952 e 1953, estudou pintura impressionista com Colette Pujol e desenho clássico com Lucila Fraga. Participou do Atelier Abstração de 1954 a 1958, quando realizou suas pesquisas com a abstração. Mais tarde, formaria sua própria escola, em seu ateliê, baseada nos ensinamentos de seu mestre Flexor. Lecionou desenho, pintura, história da arte e estamparia.
Nos anos sessenta, em suas obras, passou a pesquisar diferentes materiais, como pedras, arame e estopa, realizando pinturas em relevo, às quais deu o nome de Estéreo Pinturas. Depois, substituiu o negro da paleta por asfalto, tanto nas pinturas quanto nos desenhos. Estes, que ficaram com brilho e em relevo, também foram denominados Estéreo Desenhos. "Estruturas, filigramas, poéticas e rítmicas surgem dos fios de asfalto", disse Theon Spanudis sobre os desenhos da artista, na exposição Ernestina Karman. Asfalto: pinturas e desenhos, no Instituto Histórico e Geográfico de Santos, em 1965. Em 1967, participou da VII Bienal Internacional de São Paulo, expondo seus Estéreos.
É uma das fundadoras do NUGRASP - Núcleo dos Gravadores de São Paulo. Participou dos V, VIII, IX, X, XII, XIV e XV SPAM, além das VII e VIII Bienais de São Paulo.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto]
GISELA EICHBAUM
Manheim, Alemanha, 1920. São Paulo, SP, 1996.
"A delicada obra de Gisela me toca profundamente, enquanto me entroso com as suas formas flutuantes e o seu sentimento de mistério torna-se o meu. Nesta obra aconteceu o que Paul Klee disse da arte: 'o invisível tornou-se visível'", disse Liseta Levi sobre a obra da artista .
Nascida na Alemanha, veio ao Brasil em 1935. Gisela iniciou figurativa, trabalhando a figura humana já de forma expressiva e reduzida ao essencial. Nos anos cinqüenta, estudou no Atelier Abstração de Samson Flexor por um curto período, pois se sentia presa à extrema rigidez geométrica de seu mestre. Estudou ainda com Yolanda Mohalyi e Karl Plattner. Na década de sessenta, a abstração expressionista surgiu como um desenvolvimento natural de sua obra e libertação pessoal.
O processo de transformação da figuração para a abstração foi assim definida por José Neistein: "as primeiras pinturas de Gisela são de caráter projetivo, e estão carregadas de angústia e fantasias mórbidas. À medida que seu aprendizado artístico vai-se processando, sua personalidade vai-se aprofundando, e seu nível de consciência se torna mais alto. Já no período final de suas figurações, de seus retratos, suas paisagens urbanas e suas naturezas mortas, a cor e a forma se fundem, cada vez mais objetivas e coesas, e cada vez menos amarradas. Uma vez fundidas a forma e a cor, daí para o informalismo expressivo era apenas um passo" .
A musicalidade sempre esteve presente em sua vida, descendente de uma família de músicos. Gisela tornou visível em suas obras esta musicalidade, o que nos faz lembrar as obras de Kandinsky.
Em seus livros Canções sem Palavras, de 1986, e Meu Diário, de 1994, Gisela reproduz obras de sua autoria em guache, pastel e farbminen sobre papel. Observamos nestas obras, com surpresa e delicadeza, que a artista, as linhas, as formas, as cores, e a música se fundiram.
A artista participou das VIII e IX Bienais de São Paulo, além de diversas mostras no Brasil, na Áustria, na Espanha, nos EUA, em Israel, no Japão e no Paraguai. Em 1983, o MASP realizou uma mostra retrospectiva de sua obra, juntamente com o Brazilian-American Cultural Institute, em Washington, EUA. Neste ano, recebeu o prêmio de melhor desenhista pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto
LEOPOLDO RAIMO
Botucatu (SP), 1912
Nascido em Botucatu (SP), em 1912, transferiu-se aos seis anos com a família para São Paulo. Cursou a Academia Paulista de Belas Artes por seis meses, antes de ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde se formou em 1937. "Meus colegas nunca entenderam como eu podia conciliar minha profissão de médico com a pintura" - afirma Raimo, no catálogo da exposição Arte e Medicina. Leopoldo Raimo, de 1990. "Na verdade, não foi fácil praticar as duas profissões ao mesmo tempo e com empenho em ambas. Minha paixão pela pintura, aliada à força de vontade, superou todos os obstáculos. Hoje sinto que valeu a pena, que a medicina e a arte deram um sentido à minha vida".
No início da década de cinqüenta, Raimo integrou o Atelier Abstração de Samson Flexor, exercitando a abstração informal, e depois geométrica. Participou das mostras do grupo, em 1953, no Instituto dos Arquitetos do Brasil, em São Paulo; em 1954, no MAM-SP, e em 1958 em Nova Iorque.
Estudou ainda gravura com Lívio Abramo, na Escola de Artesanato do MAM-SP, optando pela xilogravura. Foi um dos fundadores do NUGRASP - Núcleo dos Gravadores de São Paulo.
Nos anos sessenta, seus trabalhos retornaram ao abstracionismo lírico. Realizou pesquisas sobre diferentes texturas, misturando areia às tintas, e desenvolvendo a Série Telúrica, bastante expressiva e reflexiva. Mais tarde, seus ritmos e formas tornaram-se musicais e fluidos, soltos no espaço.
Em 1961 ganhou o 2o Prêmio Leirner de Pintura. Participou ainda das II, III, IV, VI, VII e IX Bienais de São Paulo. Foi membro do Conselho de Arte e Cultura da Fundação Bienal de São Paulo para a Bienal de 1977 e para a I Bienal Latino-Americana de 1978.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto]
SAMSON FLEXOR
Soroca, Bessarábia (Romênia), 1907. São Paulo, Brasil, 1971.
"O pintor Flexor é desses que antes de pintores são artistas. (...) É, por exemplo, professor, com essa qualidade intrínseca no professor de saber comunicar, transmitir aos outros experiências e idéias. É músico, bom músico. (...) Sua arte, sua pintura são uma derivação cultural, e por isso não se separam da consciência crítica", escreveu Mário Pedrosa sobre o artista.
Em 1922, estudou química e cursou a Academie Royale des Beaux-Arts, em Bruxelas. Dois anos mais tarde, cursou a École Nationale des Beaux-Arts, em Paris e, depois, a Academie Ranson, tendo aulas com Bissière. Nesta época era figurativo, sob influência das vanguardas parisienses. Em 1929, participou da fundação do Salon des Surindépendants. Em 1930, naturalizou-se francês e prestou serviço militar nos Alpes, onde conheceu sua esposa Tatiana, que faleceu durante o parto em 1933. Passou a estudar as raízes bizantinas e o simbolismo da arte sacra, fazendo murais e afrescos para igrejas. Em 1934, casou-se com Margot, que o acompanharia durante toda vida. Em 1936, durante a guerra civil espanhola, Flexor realizou cartazes pró-republicanos. Durante a II Guerra Mundial, foi membro da Resistência Francesa, tendo que fugir com a família. Neste período, fez vários trabalhos de temática religiosa, com representações de Cristo. Fez a promessa que, se sobrevivesse à guerra com sua família, pintaria todas as cenas da Paixão de Cristo. Mais tarde, entre 1948 e 1951, já em São Paulo, executou as pinturas nas paredes da Igreja Nossa Senhora de Fátima.
Em 1945, com o fim da guerra, Flexor voltou com a família para Paris. Os focos de seus estudos passaram a ser a geometria, a cor e a luz. Estes quadros foram expostos na mostra Pintores Independentes de Paris, na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, quando Flexor veio ao Brasil pela primeira vez. Entre 1947-48, elementos tropicais observados no Brasil aparecem em suas telas, cada vez mais envoltos em uma trama de figuras geométricas, montadas por recortes de planos.
Em 1948, transferiu-se para São Paulo, época em que a cidade fervilhava, expondo na mostra inaugural do MAM-SP, Do figurativismo ao abstracionismo, em 1949, e na I Bienal de São Paulo, em 1951. Influenciado por Léon Dégand, diretor do MAM-SP, passou a considerar cada vez mais que a pintura deveria expressar-se por si mesma - cor, luz, linha, movimento - e não como cópia da natureza, defendendo, portanto, a arte abstrata. As únicas exceções foram suas obras sacras, em que a influência da figura ainda é forte, como Cristo na Cruz, de 1949, do MAC-USP. Flexor foi um formador. Desde sua chegada ao Brasil, recebia alunos em sua casa, fundando, em 1951, o primeiro grupo de arte abstrata no país, o Atelier Abstração.
Nesta época, fez inúmeros exercícios utilizando as leis naturais de harmonia e proporção, estudando o conceito clássico da chamada "proporção divina". Esta lei grega, resgatada pelo Renascimento, possui elementos ao mesmo tempo matemáticos e místicos, uma integração entre o mundo e a arte. Para os gregos, a matemática possuía uma significação religiosa, com cada número representando um elemento da criação cósmica. Assim, a matemática era utilizada ao mesmo tempo para realizações práticas, mas também para a compreensão espiritual do mundo e do funcionamento da natureza. Flexor retomou estes conceitos, aspirando à representação do mundo em sua pintura na sua origem, na sua pureza. Estes conceitos espirituais da arte abstrata também são encontrados em Kandinsky e Mondrian. São deste período suas pinturas abstratas geométricas, como Geométrico Grande, de 1954, do acervo do MAC-USP, e uma série de exercícios artístico-matemáticos em papel, também deste museu. Neste período, Flexor também executou vitrais e painéis em afrescos, com soluções geométricas.
Em 1956, expôs em Nova Iorque, cidade que iria influenciá-lo profundamente, tornando-o mais aberto à abstração lírica. Em 1958, o artista naturalizou-se brasileiro, e iniciou seus afrescos para a Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Em suas obras deste ano, a geometria é apenas sugerida nas diagonais, em tons pastéis, que recebem um tratamento esfumaçado e diluído suavemente, como a obra Pintura, de 1960, do acervo do MAC-USP. O período é também repleto de exercícios em aquarelas sobre papel, devido às suas possibilidades de fluidez e transparência, como Sem Título, 1960, também do MAC-USP. No final da década de sessenta, o artista retornou à figuração, com uma fase sintetizada por Flexor como antropomorfismo. Com seus Bípedes, Flexor medita sobre o humano e sobre o seu mundo destrutivo. São figuras bastante expressivas. Em 1969, o artista desintegrou suas figuras no fundo branco, em um período em que o artista tinha consciência da proximidade de sua própria morte, que ocorreu em 1971. Seu amigo e ex-aluno Jacques Douchez disse sobre este período: "o mestre de outrora, que passava, cheio de entusiasmo, do piano ao cavalete, é agora o homem enfraquecido, que às vezes, lágrimas nos olhos, volta à sua tela onde nascem esses Bípedes, imagens ao mesmo tempo poderosas e miseráveis de uma vida que o abandona" .
O artista participou das I, II, III, IV, VI, IX, XI, XIII e XX Bienais de São Paulo, e da XXVII Bienal de Veneza.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto]
WEGA NERY
Carlos Drummond de Andrade foi tema de telas de Wega em 1968. A abstração, como dizia Kandinsky, é uma linguagem que consegue sintetizar, em sua origem e pureza, outras formas de expressão, como a música e a poesia. Isso porque busca uma espiritualidade que é matéria mesma da natureza humana - é esta essência que buscou Wega Nery durante toda sua obra.
Passou a infância no Pantanal Matogrossense. "Acho que muito do que eu pinto vem da minha infância naquele paraíso de uma natureza quase intocada pela mão do homem que é Mato Grosso. (...) Talvez tudo se resuma à beleza de Mato Grosso e à minha eterna busca da espiritualidade", disse a artista . Pintou seus primeiros óleos entre 1943-45 cursando, a partir de 1946, a Escola de Belas Artes em São Paulo. Em 1949, estudou com Yoshiya Takaoka, participando do Grupo Guanabara, a partir de 1950, expondo com o grupo até 1958. Em 1951, se impressionou com Soulages, na I Bienal de São Paulo.
Em 1953, integrou o Atelier Abstração de Samson Flexor durante cinco meses, realizando diversos desenhos e pinturas abstratas. Mas como sua natureza era mais intuitiva que a do seu mestre, utilizou seus rígidos métodos apenas como base, para depois superá-los.
Continuou suas pesquisas com a abstração, expondo individualmente, em 1955, no MAM-SP. Desta mostra escreveu Osório César, no jornal A Gazeta, em 20/09/1955: "Podemos perceber em suas formas não figurativas espírito um tanto irriquieto, numa fuga da realidade para o mundo de sonhos. (...) Wega é uma artista honesta, que trabalha sem a matemática, o compasso e o esquadro, como acontece com a maioria dos artistas abstracionistas". Em 1957, ganhou o prêmio de desenho na IV Bienal de São Paulo.
A partir do início dos anos sessenta, a artista começou a pintar as suas Paisagens Imaginárias. Em 1963, expôs em Sala Especial na VII Bienal de São Paulo. Geraldo Ferraz escreveu sobre estas obras, no jornal O Estado de S. Paulo, em 05/10/1963: "desdobrou a pintura brasileira, de seu teor tantas vezes regional, para uma repercussão que possui toda a força de uma revelação invadindo as áreas do universal". Suas obras abstratas líricas mantêm fortes relações com a natureza. Wega observa o mundo, mas ao invés de representá-lo como o vê a perspectiva matemática, insere seus elementos em um universo imaginário e diáfano. Wega vê o mundo, mas a paisagem que pinta é a paisagem de si mesma.
O MAC-USP realizou a mostra O Trajeto Abstrato de Wega Nery, em homenagem à artista, em 1994.
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto]
Perspectivas, 1963, de Wega Nery
Óleo s/ tela, 175,4 x 179,8 cm.
Doação Fundação Bienal de São Paulo. Acervo MAC-USP.
A partir de 1961, Wega Nery iniciou sua série de pinturas informais chamadas de Paisagens Imaginárias. A artista disse que a primeira paisagem foi pintada depois de ficar algum tempo observando a cidade. Mas o que ela acabou pintando na tela foi o interior de si mesma.
Segundo a fenomenologia, o nosso olhar para o mundo é perpassado por nosso estado de espírito. Cézanne pintava suas paisagens com base não só na perspectiva lógica, mas também a respeito de como seu olhar perceptivo via aquela paisagem naquele momento.
Na pintura de Wega está contida uma espiritualidade, que vem das cores, da sua musicalidade, da sua poesia. É uma pintura enérgica, tanto pelo gesto quanto pelo uso das cores - vermelhos, amarelos, turquesas, em contraste com brancos e negros.
"Uma pintura espasmódica de ação, de dinamismo mas estranhamente perpassada de melancolia, de esperança, de todos os arquétipos emotivos do ser humano: medo, angústia, dor, solidão, busca de paz, esperança, fé, derrota".
Tatiana Rysevas Guerra
[bolsista]
Profa. Dra. Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
[coordenadora do projeto]
|