História da Arte |
Modêlo de pavilhão. Período Han
; 206 a.C., 221 era cristã. Cerâmica vidrada, 40 cm. Museu Cernuschi, Paris. As estatuetas colocadas nas tumbas eram suplementadas por outras dádivas, especialmente estas miniaturas em terracota, que são de grande valor informativo, ao darem uma idéia da arquitetura da época; o pavilhão aberto é sustentado sôbre pilares feitos de madeira no protótipo, tendo o telhado e tôrre cobertos com telhas.
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Durante os séculos de hostilidades entre os Estados feudais, o Estado ocidental de Chin finalmente se afirmou através de habilidosa manobra política e energia implacável. Em 221 a.C., seu príncipe, numa autoproclamação, denominou-se Primeiro Ilustre Imperador da Dinastia Chin (Chin Shih-huang-ti). Apoiado por conselheiros da severa escola legalista de filósofos, impulsionou reformas rígidas e padronizou sistemas, não apenas dentro do campo da política administrativa, mas também com relação a assuntos culturais e intelectuais. O antiquado estilo caligráfico Chin foi decretado oficialmente por todo o império, enquanto os livros clássicos, que refletiam as condições da dinastia Chou, foram proibidos e queimados.
O sucesso das realizações Chin, porém, não teria uma longa duração. Pouco depois da morte do dotado e poderoso primeiro imperador, a dinastia foi derrubada, e da confusão generalizada emergiu, finalmente, um soldado de origem camponesa chamado Liu Pang, que viria fundar a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) uma burocracia centralizada se formou progressivamente sob a influência confuciana. E então uma pequena nobreza, ou classe erudita, foi recrutada em todas as camadas sociais de acordo com suas capacidades naturais e habilidades. Em 165, pela primeira vez, o Estado submeteu a exame os aspirantes a cargos. Tal procedimento veio a padronizar-se no Estado centralizado chinês, e serviu para consolidar a tradição e promover a longevidade administrativa. A academia da capital - responsável pelo treinamento dos funcionários graduados, garantia uma educação e cultura unificadas por todo o enorme império Han que, chegando ao apogeu, alcançou até a Ásia Central. Os objetos de lac a produzidos na província sudoeste de Szechuan, antigo núcleo industrial, eram utilizados na colônia militar de Lo-lang no extremo norte, na Coréia.
Simultaneamente com o estabelecimento definitivo dos textos clássicos de Confúcio, floresceu a venerarão à palavra escrita que se tornaria uma característica marcante da civilização chinesa. A tradição legou os nomes de funcionários graduados que se destacaram por seu estilo caligráfico; assim, Tsai Yung é considerado como o realizador da escrita dos textos dos clássicos litoglíficos no ano 183 da Era Cristã. No período Han, a familiaridade com os clássicos e a habilidade caligráfica pressagiavam a posição de relevância que ocuparia o homem culto chinês como expoente da cultura artística. Pela arte da pintura, companheira da caligrafia, também viemos a saber os nomes de grandes mestres, embora nenhuma obra destes tenha sobrevivido até nossos dias. Descrições históricas dos palácios da dinastia Han indicam que os mesmos continham notáveis pinturas murais. Os altos muros eram decorados com seqüências pictóricas de caráter moral e didático: cenas mostrando soberanos gene rosos e súditos fiéis serviam de lembretes constantes aos funcionários. Expressão mais sugestiva eram as cenas de festas e banquetes que revelam a extraordinária prosperidade da China Han. Havia também a delicada pintura sobre seda que o soberano concedia aos seus subordinados como um sinal de benevolência.
Um departamento especializado em cuidar e preservar pinturas e escritos foi fundado em 29 a.C., evidenciando o apreço em que eram tidas as obras de arte, e a valorização dispensada à pintura e à caligrafia. No entanto os pintores da época da dinastia Han (e por algum tempo a seguir) não pertenciam à mesma classe social que os literatos e, como em tempos anteriores, eram considerados artífices, tal como no cenário artístico ocidental.
Uma idéia das grandes pinturas murais dos palácios é proporcionada pelos afrescos que sobreviveram nas câmaras mortuárias, como a que foi descoberta em Lido-vang na Mandchúria do Sul e em Wang-tu, na província de Hopei. Nestas obras, o artista primeiro esboçava as linhas de contorno e depois enchia as chapadas cromáticas. A famosa lápide pintada, de uma câmara funerária, atualmente no Museu de Belas-Artes de Boston, exemplifica o tipo de desenho linear que muito se aproxima da caligrafia. A seleção de temas encontrados nos raros achados de pintura Han é suplementada pelas diversas inscrições litoglíficas de seus túmulos, especialmente na província de Xantung, e pelas lousas com relevos exuberantes de cenas da vida diária que apareceram em Szechuan.
A escultura da China de Huan também é conhecida através das obras de finalidade funerária. Tal acervo inclui igualmente as monumentais, mas primitivas, esculturas de pedra da estrada de acesso, o chamado "caminho do espírito" (shen-tao) que conduz ao túmulo do General Ho Chu-ping, e também o leão alado da tumba de Kao I em Szechuan, tema que chegou à China através da Ásia Ocidental, embora continue desconhecida a maneira como teria sido trazido. Figuras simbólicas em barro cozido, como os vasos polidos, jóias e outras oferendas, e que substituíram as primitivas imolações de homens e cavalos, se destacam no rico inventário de objetos tumulares. As fortunas despendidas nos funerais e nos cultos aos mortos pelos funcionários e seus familiares provocaram, o esbanjamento da economia da anterior dinastia Han que, depois de sua fragmentação em pequenos Estados, teve interditada a suntuosidade em suas catacumbas, por parte de governantes sucessivos.
No tocante à arquitetura, embora nenhum monumento tenha conseguido sobreviver, as escavações freqüentes da velha metrópole de Chang-an, acrescentadas aos achados de modelos de terracota, permitem-nos uma idéia nítida da construção arquitetônica Han. Um dos aspectos básicos daquela arquitetura, e que iria continuar importante nos períodos subseqüentes, era o compartimento retangular sobre um pódio com pilares de madeira e uma estrutura trançada para sustentar o telhado. As paredes formavam telas entre os pilares, mas sem nenhuma função estrutural. Estas paredes acumuladas em redor de uma seqüência de câmaras ou em contigüidade, acompanhando uma linha axial centralizada, com a entrada lateral em lugar do estreito frontão, constituía a nota principal entre os elementos componentes do palácio. Mesmo as diversas espécies de torre assumiam o formato de casas superpostas, tendo um telhado projetado a separar cada pavimento.
A afetação do modo de vida da sociedade Han se reflete em vários objetos de artesanato. O bronze perde a magia da fase arcaica: as formas se tornam mais simples, definidas e mesmo mais sóbrias. A forma que ocorre com maior freqüência é a alça para objetos de toucador. Há também queimadores de incenso cujas tampas furadas assumem feitio de colinas com animais, o que reflete a preferência Han pela natureza, e sua tendência paisagística. Alguns elegantes exemplares destes turíbulos sobreviveram, por vezes incrustados com pedras preciosas. Uma especialidade Han eram as peças de laca polida produzidas comercialmente nas províncias de Szechuan e Hopei sob a orientação do Estado. A sécia era um monopólio chinês e suas produções eram exportadas através da Ásia Central pelas Estradas da Seda para a Síria e para Roma. A arte super-requintada do jade entalhado deu prosseguimento às tradições do período Chou; com este material precioso do Extremo Oriente, os artífices criaram elega ntes pingentes para completar os paramentos rituais e primorosos amuletos em feitio de animais.
Caixa com tampa para toucador.
Período Han, Laca; 10 cm de altura. Museu Britânico, Londres. A extraordinária qualidade impermeabilizante da laca é responsável por sua utilização numa infinidade de objetos na era Han. Foi aplicada sôbre madeira, madeira coberta com cânhamo ou em qualquer tecido apenas. Esta caixa, objeto de luxo, levou diversas camadas de laca sôbre cânhamo; originalmente preta, adquiriu com o tempo um tom esverdeado; é decorada com temas de animais e delicadas volutas em amarelo e vermelho; alguns motivos são tauxias em prata (o cavaleiro armado).
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Os três séculos e meio entre a derrocada final da dinastia Han e a reunificação da China sob as dinastias Sui e Tang constituem uma era de modificações e inovações tanto políticas como culturais. Os ensinamentos do budismo já haviam sido aceitos na China durante o período Han e conseguido alguns adeptos, mas a nova fé só começou a se fazer notar através da arte durante o citado período de transição.
No começo do século IV, povos não-chineses penetraram na enfraquecida área norte da China, tornando-se dominadores de uma população culturalmente mais elevada. O prestígio da civilização chinesa, contudo, logo exerceu o seu fascínio sobre os dominadores, conseguindo finalmente absorvê-los, dentro de algumas gerações. Vários Estados surgiram, sendo mais importante o que tinha a liderança do clã Toba, a Wei do Norte (386-534). Diversos membros da nobreza e alguns representantes da burocracia fugiram diante da invasão dos bárbaros ao sul .:o rio r-ang-Csé. Então, também ao sul, brotaram novos Estados, dos quais o mais importante teve a sua capital Chien-kang no local onde hoje está a moderna Nanquim. Aqui, as classes eruditas se esforçaram por conservar a vida cultural e intelectual de acordo com os padrões tradicionais.
A queda política e a desintegração das velhas normas sociais provocaram um terrível impacto negativo sobre o confucionismo tradicional, estimulando o robustecimento do taoísmo, especialmente na região Sul da China. Os estudiosos desta escola haviam sempre considerado o confucionismo como exageradamente racionalista e, em substituição, pregavam um retorno aos modos simples da natureza. Em geral, uma espécie de escapismo vagamente taoísta parecia dominar o espírito daquela época nas regiões do sul.
Bem menos atraente do que o taoísmo - em especial no que se refere à gente do povo - foi a nova religião do budismo com suas elaborações metafísicas, uma dimensão que estava faltando aos sistemas clássicos, filosófico-religiosos, da China. Partindo das cidades comerciais da Ásia Central, que eram também prósperos centros de atividades missionárias budistas, a nova fé penetrou no Norte da China através das Estradas da Seda. A penetração no Sul da China se fez através do. Sudeste Asiático com seus próprios núcleos budistas, destacando-se o reino de Funan.
0 aspecto monástico do budismo, que era inteiramente alheio ao tradicional sistema social chinês, oferecia conforto e segurança aos membros desarraigados e expropriados de todos os setores da sociedade. A prática inusitada da veneração das figuras de culto, por meio de cerimônias religiosas, provocou um influxo de estabelecimentos pios para acolherem as imagens sagradas. Na escultura e na pintura, assim como na arquitetura, os artistas tiveram que conciliar suas criações com os modelos da Ásia Central e da própria índia; a aquisição e difusão de tais estilos criaram um ramo inteiramente novo dentro da arte chinesa. Os exemplos mais remotos, entre os que conhecemos, de imagens em bronze produzidas na China para veneração budista eram intimamente dependentes dos protótipos da Ásia Central e tinham, geralmente, dimensões reduzidas. A inata capacidade chinesa para assimilação e transformações iria provocar uma fusão com estilos anteriores seus, advindo desta mescla uma nova e harmoniosa arte. Foi o que recebeu a denominação de etapa "arcaica" da escultura budista na China que, de hábito, era moldada no estilo Wei, de acordo com a dinastia fundada pelo clã Toba.
Obedecendo às regras monásticas budistas, os monges passavam os meses de verão em peregrinações missionárias, angariando sua alimentação nas fazendas, enquanto os meses de inverno eram dedicados à clausura meditativa dos mosteiros. Seguindo os precedentes indianos e os protótipos da Ásia Central, seus viharas, ou mosteiros, quase sempre eram constituídos de uma série de grutas cavadas nas encostas rochosas. Os nobres Toba disputavam arduamente o privilégio de patrocinar tais estabelecimentos, dotando as grutas com suntuosa decoração de pinturas e esculturas: esses gestos de benemerência eram estimulados pela própria natureza do budismo, que prometia ou acenava com a salvação religiosa. As grutas de Yun-kang e Lung-men, com seus milhares de esculturas, gozam de merecida fama. Por outro lado, o santuário na montanha de Mai-chi-shan, sudoeste da província chinesa de Kansu, permaneceu abandonado e esquecido durante anos e só recentemente foi redescoberto. Enquanto as grutas dos templos da área central ostentavam esculturas de pedra de dimensões avantajadas, gigantescas mesmo, aqui as imagens eram feitas de estuque, seguindo o método da Ásia Central. Fazer com que as imagens seguissem as regras iconográficas, formuladas na índia, era uma condição ignorada e nova para os artistas chineses. Logo, porém, eles se adaptaram e assimilaram a idéia e, no sés. V:, criaram padrões de surpreendente força interior e beleza, que lembram as esculturas dos primórdios da Idade Média na Europa. Na predileção pelas linhas sinuosas dos drapeados no panejamento das figuras, a atração chinesa pela caligrafia ganhou nova vida. Nos casos em que as normas iconográficas exigiam figuras desnudas, contudo, como na representação dos severos guardas, os artistas se viam tentados a exagerar a musculatura e a ignorar a suavidade do corpo humano.
Também no campo da pintura, o budismo trouxe elementos novos. As pinturas das grutas dos templos de Tun-huang - executadas entre o último quarto do séc. V e a primeira metade do séc. VII - mostram claramente de que maneira os chineses lentamente insinuaram seus próprios padrões estéticos na pintura religiosa budista.
Simultaneamente com o mundo budista, a tradição nativa de pintura mural coexistiu, como sabemos, através de exemplos na Manchúria e na Coréia. Ao sul, em Chienkang, inúmeros pintores e calígrafos trabalharam sob o patrocínio da dinastia oriental Chin (317-420). Podemos ter uma idéia a respeito de suas obras num papiro atribuído a Ku Kai-chih (344-406) e que está no Museu Britânico. Foi neste período que apareceu o papiro típico do Extremo Oriente e que tomou a forma de livro ou inscrição.
A pintura foi então desvinculada da arquitetura e levada para a convivência e refinamento dos connoisseurs que poderiam contemplá-la segundo sua vontade. Tudo isso fazia parte da vida dos nobres e literatos que apreciavam e praticavam também as belas artes - poesia, música, caligrafia e pintura. Esta última deixou de exercer a função didática que lhe era atribuída por Confúcio e já não tinha a finalidade de instruir o grande público, mas ser o privilégio de uma elite social cujos componentes sentiam o prazer verdadeiro em praticá-la ou contemplar suas criações. Como conseqüência de tal mutação, por volta de 500, deparamos com as primeiras indicações de uma teoria de arte. Ao mesmo tempo, as divergências políticas e o fortalecimento do taoísmo suscitaram maior interesse pela natureza - interesse que se refletia tanto na poesia de Tao Yuan-ming (365-427) como nos indícios das primeiras pinturas puramente paisagísticas, de que, infelizmente, não sobreviveu nenhum exemplar .
A arquitetura deste período fundiu os estilos da stupa indiana com a torre nativa, produzindo o típico pagode budista em pedra. Esquemas de mosteiros e templos empregaram o antigo tipo de vestíbulo do Extremo Oriente com pátios circundantes. Nas obras artesanais o verde-cinza surge como uma inovação importante.
Elaborado por Guilherme B. Uemura
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ABAIXO FOTO 1 - Amuleto em forma de tigre
Período Han, 206 a.C.-221, era cristã museu Guimet. Paris. Desde o período neolítico, u jade foi considerado no Extremo Oriente como pedra preciosa de extraordinário poder mágico. Aqui o artista esculpiu um bloco de jade branco em formato de tigre branco, animal mítico. identificado com o Ocidente.Notável detalhismo cinzelado.
ABAIXO FOTO 2 - Monólito com Sakyamuui e Prabhutaratna
Período Wei, 518, bronze dourado, 25 cm. Museu Guimet, Paris; grupo representando a conversação mística entre Prabhutaratna e o histórico Buda Sakyamuni. Esta elegante peça mostra o amadurecimento do período Wei, resultante de transformação chinesa da arte budista da Ásia Central; as características da evolução do período são a sutileza dos drapeados e as estilizações de chamas das auréolas, assim como a esbeltez das graciosas figuras com seus sorrisos "arcaicos".
ABAIXO FOTO 3 - Dvarapala.
Pei Hsiang-tang, Hopei-Honan, distrito da fronteira. Período Chi, segunda metade do séc. VI. Pedra calcária; 1,09 m. Museu Rietberg, Zurique. Uma das duas figuras que guarnecem o portal do famoso santuário-gruta de Pei Hsiang-Tang com a finalidade de espantar os maus espíritos e os demônios. Os detalhes da musculatura foram aproveitados como elementos ornamentais que traem a insegurança do escultor chinês habituado aos mantos drapeados.
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