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Artista João Modé - Joao Mode
Biografia Modé, João (1961)



Biografia

João Modé (Resende RJ 1961). Artista visual. Forma-se em arquitetura pela Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro, em 1983, e em comunicação visual pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, em 1984. É professor do núcleo de 3D da Escola de Artes Visuais do Parque Lage - EAV/Parque Lage, Rio de Janeiro, e membro fundador do grupo Visorama.


Atualizado em 21/06/2005

Fonte Itaú Cultural

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João Modé
Resende, RJ, 1961
Vive e trabalha no Rio de Janeiro


Formação

2004- 2006
Linguagens Visuais, Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro

1979-1984
Comunicação Visual, Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro

1978-1983
Arquitetura, Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro


Exposições individuais

2007
A cabeça, A Gentil Carioca, Rio de Janeiro
Musica para los Animales y las Cosas, Casa Tres Patios, Medellin, Colômbia

2003
Rede, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro

2002
Estímulo Puro, Agora, Rio de Janeiro

2000
Paço Imperial, Rio de Janeiro

1996
Mergulho no Reflexo, Centro Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro
Natureza Animal, Galeria do IBEU Copacabana, Rio de Janeiro
Cama, Centro de Artes Calouste Gulbenkian, Rio de Janeiro
Vitória, Galeria de Arte UFES, Vitória, ES

1992
BR, Centro Cultural São Paulo, São Paulo

1991
Galeria Cândido Mendes Ipanema, Rio de Janeiro
Galeria Casa Triângulo, São Paulo

1989
Tudo em Geral, Galeria do Centro Empresarial Rio, Rio de Janeiro


Exposições coletivas

2007
Panorama da Arte Brasileira, MAC São Paulo
Futuro do presente, Itau Cultural, São Paulo
Coleções 8, Galeria Luisa Strina, São Paulo
Associados [Orlândia], Rio de Janeiro
Ibeu - 70 anos/70 obras do acervo, Galeria do Ibeu, Rio de Janeiro
Medellín 07/Prácticas artísticas contemporáneas, Medellin, Colômbia

2006
Stopover, Kunsthalle Fribourg, Suiça
LOOP, Centro Cultural Telemar, Rio de Janeiro
Abrigo Poético - Diálogos com Lygia Clark, Museu de Arte Contemporêna, Niterói, RJ
The Image of Sound, St Elisabeth Kirche, Berlin, Alemanha
Gráfico Adesivo, Casa da Ribeira, Natal, RN
Incorpo[R]ações, Espaço Bananeiras, Rio de Janeiro
A Gentil Carioca, Daniel Reich Gallery, Nova York, EUA
Livro de Artista, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro

2005
Espaço Urbano x Natureza Intrínseca, Espace Topographie de lArt, Paris, França
Brazil, Watermil Center, Nova York, EUA
Road, projeto com CAPACETE Entretenimentos, La Paz-Lima, Peru
Projeto Interface, Palais de Pape, Avignon, França
Educação Olha!, A Gentil Carioca, Rio de Janeiro

2004
Unbound, Parasol Unit, Londres, Inglaterra
A Gentil Carioca, Rio de Janeiro
"inherit - conquer", Graz, Áustria
Entre Pindorama, Künstlerhaus Stuttgart, Alemanha
Espaço Lúdico - um olhar sobre a infância na arte brasileira, Espaço BNDES, Rio de Janeiro
Microlições de Coisas, Centro de Estudos Murilo Mendes, Juiz de Fora, MG

2003
Infantil, A Gentil Carioca, Rio de Janeiro
When the Periphery Turns Center and Center Turns Periphery, Bienal de Praga, National Gallery, Praga, República Tcheca
Grande Orlândia, Rio de Janeiro

2002
Slow, Shedhalle, Zurique, Suiça
Nefelibatas, Museu de Arte Moderna, São Paulo
Caminhos do Contemporâneo 1952/2002, Paço Imperial, Rio de Janeiro
Love's House, Lapa, Rio de Janeiro
IBEU: 1991 a 2001 - Uma década de arte contemporânea, Rio de Janeiro

2001
Outra Coisa, Museu da Vale do Rio Doce, Vitória, ES
Mistura + Confronto, Central Eléctrica do Freixo, Porto, Portugal
Deslocamento do eu: o auto-retrato digital e pré-digital na arte brasileira (1976-2001), Itaú Cultural, Campinas, SP; Paço das Artes, São Paulo, SP
Mostra do Redescobrimento - Módulo Contemporâneo, Museu de Arte Moderno, Buenos Aires, Argentina
Espelho Cego - Seleções de uma Coleção Contemporânea, Paço Imperial, Rio de Janeiro e Museu de Arte Moderna, São Paulo
Orlândia, Rio de Janeiro

2000
O particular, Grande Galeria, Centro Cultural Candido Mendes, Rio de Janeiro
Deslocamentos do Feminino, Conjunto Cultural da Caixa, Rio de Janeiro
Exposição comemorativa dos 50 anos do Museu de Arte Moderna de Resende, Museu de Arte Moderna, Resende, RJ

1999
Outra Paisagem, Galeria Millan, São Paulo
Fundição em Conserto, Fundição Progresso, Rio de Janeiro

1997
Arte em Campus, Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro

1996
Amigos do Calouste, Centro de Artes Calouste Gulbenkian, Rio de Janeiro

1995
Romance Figurado, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

1994
Imagens Indomáveis, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro

1993
Um Olhar sobre Joseph Beuys, Museu de Arte de Brasília, DF

1992
Consumir o Consumo, Museu de Arte Contemporânea, São Paulo
Selecionados Centro Cultural São Paulo, MASP, São Paulo
Eco-sensorial, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro
Um Olhar sobre o Figurativo, Galeria Casa Triângulo, SP
Mostra da Casa Triângulo, Galeria Casa Triângulo, SP
Atelier Vila Isabel, UERJ, Rio de Janeiro

1991
Consumir o Consumo, Sala Athos Bulcão, Brasília, DF
Consumir o Consumo, UFF, Niterói, RJ

1990
Mostra da Casa Triângulo, Galeria Casa Triângulo, São Paulo
4x44, Atelier Livre de Petrópolis, RJ

1989
7, Solar Grandjean de Montigny, PUC, Rio de Janeiro

1988
Subindo a Serra, Palácio das Artes, Belo Horizonte, MG

1987
Pela Própria Natureza, UFF, Niterói, RJ

1986
Ecologia: Tradição e Ruptura, Espaço Cultural Petrobras, Rio de Janeiro
A Conquista do Espaço, Rio Design Center, Rio de Janeiro

1985
O Visual do Rock, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro
Rio Narciso, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro

1984
Como Vai Você, Geração 80?, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro


Salões

1988
8º Salão Paulista de Arte Contemporânea, Fundação Bienal, São Paulo

1987
44º Salão Paranaense, Curitiba, PR

1986
IX Salão Nacional de Artes Plásticas, MAM, Rio de Janeiro

1985
9º Salão Carioca, Metrô Carioca, Rio de Janeiro

1984
VII Salão Nacional de Artes Plásticas, MAM, Rio de Janeiro
Arte Brasileira Atual: 1984, Museu do Ingá, Niterói, RJ
16º Salão Nacional de Arte, Museu da Pampulha, MG
8º Salão Carioca, Metrô Carioca, Rio de Janeiro



Bolsas e prêmios

2004
Bolsa Capes, Linguagens Visuais, Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro

2002
Bolsa Faperj, Projeto Rede, Rio de Janeiro

1990
Prêmio Brasília de Artes Plásticas, Museu de Arte de Brasília, DF

1988
Aquisição, X Salão Nacional de Artes Plásticas, FUNARTE, Rio de Janeiro

1987
Aquisição, XIX Salão Nacional de Arte, Museu da Pampulha, MG

1985
Referência Especial do Juri, VIII Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro


Projetos no espaço urbano

2007
Projeto REDE, Centre Columbier, Rennes, França

2004
Projeto REDE, Praça da Alfândega, Florianópolis, SC

2002
Do céu da terra, interferência urbana, RioCena Contemporânea, Rio de Janeiro

2001
Do céu da terra, interferência urbana, bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro

2000
Sorte, interferência urbana, bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro
Essência, interferência urbana, bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro

1993
A Paixão do Olhar, out-door, Rio de Janeiro

1992
Projeto ECO-92, out-door, Rio de Janeiro

1985
Rio de Cor II, (pintura mural) Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro

1984
Rio de Cor I, (pintura mural) Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro
Cor-redor, Um oásis na Cidade, (pintura mural) Estação Uruguaiana do Metrô, Rio de Janeiro


Residências

2007
Centre du monde, Belle Ile en mer, França
Medellín 07/Prácticas artísticas contemporáneas, Medellin, Colômbia

2005
Projeto Road, residencia móvel, La Paz [Bolívia]-Lima [Peru]
Watermil Center, Nova York, EUA

2004
"inherit - conquer", Graz, Áustria


Participação em projetos

2007
Re-projecting [Miami-Basel], projeto de Ricardo Basbaum para container em Miami, EUA
Eu é um outro com a Cia Dani Lima, Pequena galeria da Caixa Econômica, Rio de Janeiro
A arte, o canto e a esquina, projeto de pós-graduação de Analu Cunha, UFRJ, Rio de Janeiro
Projeto com garafas pet desenvolvido com catadores de lixo de Niterói para a escola de samba mirin Pimpolhos da Grande Rio, Rio de Janeiro

2006
Draw drawing2, London Bienalle, Londres
Notas do Observatório - Wilton Montenegro, Galeria Espaço Telemar, Rio de Janeiro
A imagem do som - Rock-pop Brasileiro II, Paço Imperial, Rio de Janeiro

2005
A imagem do som - Dorival Caymi, Paço Imperial, Rio de Janeiro

2004
Fórum Cultural Mundial, Sesc Vila Mariana, São Paulo
UniversidArte XII/Galeria Especial, Rio de Janeiro

2003
Encontro com Arte, CasaCor, Rio de Janeiro
Sissomia, Fundição Progresso, Rio de Janeiro

2002
A Cultura em tempos de AIDS, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
A imagem do som - Rock-pop Brasileiro, Paço Imperial, Rio de Janeiro

2001
A imagem do som - Antonio Carlos Jobim, Paço Imperial, Rio de Janeiro

2000
A imagem do som - Gilberto Gil, Paço Imperial, Rio de Janeiro


Citações bibliográficas

livro sobre o projeto Rede, texto de José Thomaz Brum
Focus Photography, revista Flash Art, outubro/2003
João Modé/Espacio Agora, revista ArtNexus, nº 47, fevereiro/2003
resenha, revista ArteYParte, nº 23, maio/2002
De Fuera Hacia Adentro/De Dentro Hacia Afuera, revista Lapiz, nº 134/135, julho/setembro/1997
Fonst fran Brasilien, catálogo da exposição Viva Brasil Viva, p. 79
Texto de Ricardo Basbaum sobre a obra de Jorge Duarte, catálogo UFF, julho/93
O Novo Desafia de João Modé, Márcio Doctors,O Globo, 3/agosto/91
Com as Tintas da Ironia, revista Veja, p. 89, 10/julho/91
Folha de São Paulo, Ilustrada, p.8, 25/junho/91
Folha da Tarde, Artes e Espetáculos, p. 23, 24/junho/91
A Relação Afetiva entre o Artista e o Material, O Globo, 6/novembro/90
Liquidação na Galeria, Última Hora, 2/maio/89


Atividades acadêmicas

2003-04
Professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro [UERJ] Licenciatura em Artes Plásticas/História da Arte

1998
Atitude! Materialização de Idéias, Festival de Verão de Nova Almeida, Vitória, ES

1997
Atitude!, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, RJ
Escultura/Introdução, Festival de Verão de Nova Almeida, Vitória, ES

1996
Escultura/Introdução, Universidade Estácio de Sá, RJ
Escultura/Introdução, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, RJ

1995
O Objeto Instalado, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, RJ
Material, Espaço e Objeto, Galpão das Artes, Museu de Arte Moderna, RJ

1990/92
Professor de Arte, Escola Senador Correia, RJ

1990
A Relação do Indivíduo com os Materiais e o Espaço, Galpão das Artes, Museu de Arte Moderna, RJ


Outras atividades
Fundação e participação no grupo VISORAMA, formado por artistas residentes no Rio de Janeiro, que promoveu entre 1988 e 1995, cursos, simpósios, exposições e debates acerca de questões da arte contemporânea.
Ciclo Visorama:
Escola de Artes Visuais do Parque Lage, RJ, 1991/ sete debates sobre arte brasileira e internacional.
Fórum de Ciência e Cultura, RJ, 1992/ cinco conferências com profissionais culturais atuantes no Rio de Janeiro.
Escola de Artes Visuais do Parque Lage, RJ, 1992/ Sete debates com artistas participantes brasileiros e o curador geral da IX Documenta de Kassel.
Oficina Cultural Oswald de Andrade, São Paulo, SP, 1992/ quatro conferências sobre arte contemporânea.











João Modé
AGNALDO FARIASHá uma ordem quase imperceptível que rege coisas e acontecimentos díspares. Um enredo que se dá sob a forma de eventos discretos e interligados como o tilintar incessante das garrafas do caminhão de bebidas em sua rota noturna, lembra? A lista é infinita, a começar pela marcha imperturbável das formigas dentro de casa, a parede que se descasca revelando que por debaixo há ainda uma outra casca e mais outra e outra ainda, as nuvens de pó que vagam pelo chão dos ambientes, o cheiro dos jasmins do cabo, o nanquim dos cafezinhos tomados pela metade e que contrasta com a pele lisa e láctea das xicrinhas de porcelana... Fenômenos efêmeros, afeitos a invisibilidade. Serão, talvez, acontecimentos erráticos, mas se assim nos parece é porque também não nos damos conta da freqüência com que se dão. O mesmo acontece quando os designamos "misteriosos", essa palavra genérica com a qual os enviamos para a sombra.

O problema é que sabemos pouco ou nada das coisas. Elas não nos contam seus segredos. O máximo a que se permitem, ou que logramos alcançar, é a emissão de vagos sussurros, balbucios indistintos dos quais, em nossa ânsia de apaziguamento, pensamos extrair algum sentido. O que mais há, aquilo que efetivamente conseguimos reter delas, são suas superfícies, o modo entre caótico e lacônico com que refletem ou sorvem a luz. Afora isso só nos resta quedar à tona das coisas observando-as atentamente. É esse o procedimento de João Modé, o que sua obra tem a nos ensinar. O mundo fecha-se em sua preguiça; como já disse um escritor português a propósito de livros: o mundo é uma máquina que só se põe em movimento pelo leitor/observador. Um observador ativo, já se vê, que movimenta a máquina ao passo em que se movimenta pelos trilhos da linguagem. Modé é um observador que produz obras produtoras de novos observadores. Nestes tempos em que a sensibilidade anda ofuscada, Modé propõe o exercício de uma nova sensibilidade, situada no umbral do invisível, que acontece a partir de pequenos acontecimentos, pela celebração de encontros inesperados; situações que ele propicia, fabrica ou simplesmente apresenta à nossa atenção.

Como esses cães que o artista registrou através da janela do carro em que viajava com seu amigo, Helmut Batista, pelas estradas sinuosas e desabitadas que cortam as montanhas e atmosfera rarefeita do Peru. Transpostas e editadas num filme em preto e branco de curta duração, as imagens, feitas com o carro em movimento, acompanham o movimento de cachorros solitários, vagando às margens das estradas. Peregrinos sem rumo aparente, dado que em nenhum dos casos havia algo junto a eles, ou nas imediações, pessoa, casa ou vilarejo, outros animais, um rebanho qualquer que justificasse suas presenças, que lhes servissem de amparo. No entanto eles seguiam só, Solos, palmilhando pelas bordas da faixa escura de asfalto, ou próxima a ela, uma forma de evitar o fluxo fluvial e espaçado dos carros, invisíveis a maior parte do tempo. Os cães variavam entre a faixa e o solo pedregoso, tornado ainda mais inóspito pela extensão, pelo modo como se esparrama em planuras de horizontes longínquos, e mais ainda quando, abruptamente, empina-se em escarpas íngremes cujos cumes rilham os céus. A câmera foi colhendo os cães sem que soubesse de onde vieram e para onde iam, efeito ampliado pela alternância calculada entre o fade-in e fade-out, um modo que o artista encontrou de retirá-los da escuridão para onde os devolvia em seguida.

Assistimos ao filme como se estivéssemos diante de um enigma. O mesmo tipo de ignorância que mantemos sobre a orientação das aves que passam pelo alto de nossas cabeças, em flecha e indiferentes à nossa curiosidade. Mas, pensando bem, as aves não são um exemplo adequado, pois vistas de cima as situações se esclarecem. Ainda que por instinto elas adotam o rumo certo, o que se conclui pela certeza com que cruzam os céus. Mas não estes cachorros perdidos. Perdidos? Não sabemos se estão perdidos. Apenas sabemos que não o sabemos. E não é sempre assim? Todos os eventos testemunhados por nós não são apenas uma intersecção dos fatos e coisas com os nossos próprios caminhos? E se mal sabemos de nós, o que dizer então daquele projétil que por um momento se interpõe entre onde estou e para onde irei, levado pelo meu próximo passo? Como um dia escreveu Kavafis, "Os deuses sabem o futuro; os homens, o presente; e os sábios, o que se aproxima". Modé não sabia dos cachorros. Foi durante a viagem que constatou que eles apareciam e, ainda durante ela, depois da perda de alguns, passou a esperar pela aparição dos outros. Bem, há que se levar em conta de que não se tratava de uma viagem qualquer. O projeto Road, idealizado e organizado por Helmut - Capacete Entretenimentos, é um programa de residência móvel. O carro como casa, a viagem como trabalho artístico, um píer perambulante de onde Modé lançava sobre um mar improvável a rede própria para peixes ariscos. E os cachorros vieram. A prova está aqui, projetada diante de nós. Flagrados em sua errância, alguns deles suspendem a marcha para observar aqueles que os observam.

Como um pescador que adivinha a movimentação submarinha que, feitas as contas, é o lado de lá de onde estamos, o artista levanta a capa que reveste as coisas para espiar o que há por debaixo ou arma uma antena em direção ao invisível na esperança de captar alguma manifestação. A instalação realizada em 2002 no Hotel Love's House, parte de uma instalação coletiva, também era marcada por esse exercício de atenção paciente. Cada artista tinha a sua disposição um quarto do hotel, um desses lugares destinados aos encontros amorosos baratos, encravados nas zonas centrais das cidades, no caso, o Rio de Janeiro. Escolhido o quarto o artista passou a descascar suas paredes. Se é fato que um quarto, como um ambiente qualquer, recolhe em suas paredes as emanações daqueles que o habitam, uma pátina invisível que jamais será retirada não importando as demãos de tinta que se lhe aplicar sobre as paredes, o que dizer de um quarto destinado ao sexo rápido? Porto de cabotagem sexual, local de trocas de corpos e roupas de camas, esses lugares são carregados de dejetos sutis, rastros deixados por músculos retesados, sejam eles as manchas provenientes dos líquidos secos às ressonâncias abafadas dos gemidos. Há vida e morte nessa arena. Depois da ação de Modé, o quarto, com as vísceras expostas, a pele escarificada e depositada aos monturos no chão de tábuas corridas, permitia que as vozes, murmúrios e gritos contidos em suas paredes, reverberassem mais uma vez. Ficaram lá, aos bocados, despregados e caídos deixando que uma tonalidade carnal tomasse conta do ambiente. A ação não parava aí. O artista fabricou uma corda composta por duas outras cordas, uma de sisal e outra de algodão. Estirou-a a partir do corredor, de modo que a corda atravessava o quarto, a janela e saía por cem metros em direção à cidade, findando amarrada em um ponto imperceptível à distância. O artista chama a corda de "extensor", um modo de se referir à maneira como ela agarrava o olhar do visitante levando-o para fora dali. Além disso, o ato de segurá-la dava ao visitante a impressão de estar simultaneamente em contato com o lugar onde estava ela amarrada, ainda que ele não fosse visível. Mas a vibração, um simples resultado da corda, como tudo o mais, estar submersa na atmosfera, acusava a distância. Neste sentido pode-se também pensar a corda e o ponto em que ela ficava presa como uma espécie de âncora. O quê, face as colocações feitas pelo artista a propósito da percepção como um resultado gerado por aquilo que se observa, isto é, objetos sutis implicam percepções sutis e daí por diante, resta a pergunta: quem estava atracado em quem? Seria a cidade que oscilava tendo por cais o quarto ou se o quarto convertia-se num barco abandonado às vicissitudes do tempo e dos encontros amorosos.

Tudo está em processo. Basta prestar atenção no silêncio para que se perceba o latejar dos objetos. Ciente disso, Modé explora diferentes ações e suportes expressivos, como é o caso de História pra Manu, em que um cisne feito de gelo derrete lentamente numa bacia de porcelana branca. A versão final está bifurcada entre a apresentação da peça e seu degelamento em público ou sua projeção numa seqüência de 15 imagens, num ritmo compassado, compatível com o curso de uma desaparição. Mas não haverá documentação; nada de fotografias ou algo capaz de suspender o tempo, um recurso cuja visão impeça a memória de operar sua corrosão. O cisne, convém esclarecer, foi feito tirado de uma matriz de argila executada de memória e não a partir de um modelo. Para quem se interessa por situações, eventos e matérias evanescentes, a lembrança é um ingrediente forte. Retida na memória, a imagem do cisne volta materializada em gelo, sujeita, portanto, à ação da atmosfera, à troca de calor, ao inelutável processo de mudança de estado que culminará na desaparição da ave, dissolvida em seu próprio líquido, convertida em um pequeno lago de bordas lisas, passível de ser moldada mais uma vez, numa sucessão que pode ser virtualmente infinita. E o que dizer da imagem de um cisne, essa ave da mesma família dos animais cuja beleza ou insolitude torna-os próprios do mundo da fantasia da imaginação? A imaginação, este lugar, segundo Dante, numa inesquecível passagem de Ítalo Calvino, que chove dentro. E se me refiro a essa citação, a rigor uma citação de outra citação, é para lembrar que as coisas estão dentro uma da outra, como o sonho está dentro da realidade, o passado no presente, a memória no tangível, as flores sobre a mesa. Assim, um cisne de gelo pousado num recipiente de porcelana branca colocado na área externa da casa do artista ou no muro do quintal do espaço Agora, onde, entre 6 de julho a 14 de agosto, Modé realizou Quintal, é uma pequena intervenção capaz de fecundar o espaço de poesia. Quintal, aliás, é um exemplo eloqüente do modo como o artista abre sua obra ao acaso, organiza-a como um espaço onde os acontecimentos incidentais, por mínimos que sejam, sobreponham-se às intervenções do artista. Em Quintal o cisne, várias vezes derretido, virava a água com a qual o artista regava a terra, responsável pela germinação de uma miríade de plantinhas que, ao longo da exposição, cresceram entre casinhas de papel. Iluminadas por lâmpadas alimentadas por fios finos e serpentinados que corriam pelo chão, um conjunto esparso de casinhas de papel, suporte de desenhos do artista, transformava o lugar num microcosmo, um espaço a ser visitado se possível abaixado, de joelhos, numa evocação da infância, um tempo em que os corredores laterais das casas revelavam-se imensos e o vão das escadas um esconderijo perfeito. Convidados, os visitantes, assim como a chuva e o vento que no decorrer dos dias deixaram suas marcas e trouxeram novos protagonistas, faziam adições à instalação: compunham desenhos com pequenos blocos de madeira ou dispondo em arranjos aleatórios, grãos de alpiste que em pouco tempo brotavam.

A atenção pendula entre o que surge e o que desaparece. Vanish, pertence ao segundo grupo. Uma versão realizada em 2005 sob a forma de um pequeno livro de imagens, traz uma sucessão de fotos, o registro do processo de combustão de uma construção suspensa feita à base de um conjunto emaranhado desses incensos cinza-esverdeados cuja aparência lembra a notação gráfica da noção de infinito. Ao artista interessa antes a linha espiralada formada pelo produto, maleável como uma mola, passível de se transformar num volume helicoidal, efeito que favorece o entrelaçamento dos "infinitos", a construção, como efetivamente acontece, de um emaranhado de linhas circulares, uma forma leve e atravessada de ar. Mas esse é apenas o ponto de partida. Presos uns aos outros, os anéis são postos para queimar ao mesmo tempo, o que inelutavelmente acontece de modo desencontrado e assincrônico, com alguns anéis consumindo-se de fora para dentro enquanto outros vão se queimando em sentido contrário, sem contar o caso daqueles que, mutuamente apoiados, subvertem a linearidade da chama aparentemente adormecida mas implacável. As diversas pontas avermelhadas são a única prova do fogo que as devora lentamente, responsável pela transformação das linhas espessas em fumaça e no pó que se esparge pesadamente pelo chão. A sucessão de fotografias apresenta visões diferenciadas do processo, uma seqüência iniciada pela vista geral do conjunto e que prossegue em aspectos localizados, detalhes concentrados ora nas múltiplas volutas de fumaça que ascendem como uma rede de fios d'água despojados de peso, ora nos engates precários de um incenso enrodilhado no outro, pelos quais se antevê o momento em que as linhas que o efetuam irão se desfazer, promovendo o esboroamento parcial do edifício. Conquanto tenha a pretensão de eternizar a vacuidade do processo por meio do congelamento de partes dele, a opção pelo livro potencializa sua temporalidade, o movimento orientado para o seu fim, expresso na última página em que nos deparamos com a mancha/sombra de um elemento do ambiente - porta, quadro afixado na parede, não se pode saber -, prova de que a câmara que a registrou está focada num ponto onde agora não há nada.

O artista tem consciência que essas suas ações, coerente com o que tratam, podem passar despercebidas. Vanish, como outros trabalhos, são previstos para acontecer sob a forma de registro fotográfico ou às vezes nem mesmo isso, apenas como algo programado para acontecer durante um momento dentro do período de uma exposição. Um risco calculado, próprio de quem semeia sabendo que nem tudo medrará. Mas, como o que importa é a perspectiva mesma de apontar para o estado latente das coisas... Quanto a isso, vale comentar o seu trabalho Sementes, obra de feição mutante, em processo há vários anos em sua própria casa. Espalhada pelos ambientes e dentro das coisas, dentro dos livros e cadernos, sobre mesas e cadeiras, debaixo da cama, outros lugares, o artista vai jogando sementes de maçã, um modo de pensar a casa como um campo fértil para a sua germinação. A limpeza da casa, um fundamento cotidiano obrigatório, não suprime o trabalho embora incorra na sua reconfiguração. Recolhidas, as sementes, o grão estrito das maçãs, são novamente lançadas. Alguns amigos, em especial os mais atentos ou aqueles que o visitam mais sistematicamente, conhecem o trabalho, sabem da sua existência. Mas trata-se de uma audiência limitada. E porque haveria de ser de outra forma? Tem obras que são de câmara, como certos acontecimentos que não testemunhamos e que nos foram passados sob a forma de segredos sussurrados ao ouvido e cujo encantamento repercute na delícia de quem nos narra.

A dimensão entre discreto e secreto do trabalho de Modé garante-se pelo fato dele não estar, ou não ter a aparência que se espera. Nível, obra realizada no espaço Agora em 2002, é algo que o visitante desavisado corria o risco de não reparar. E não porque sua presença fosse recatada, mas porque tendia a ser confundido com um elemento da arquitetura. Tomando partido do espaço da galeria com sua conformação estreita e de grande profundidade, com suas interrupções provocada pelo relevo dos pilares, batente, caixas de eletricidade e acidentes correlatos, e pelo suave desnível existente em torno de 40 centímetros, da porta da rua até os fundos da edificação, o artista criou uma passarela de 37 metros rente à parede direita de quem entrava. Os 40 centímetros de altura talvez desencorajassem os alguns visitantes a vencê-lo como um degrau, entendendo a obra possivelmente como um suporte, uma mesa baixa sobre a qual algo seria colocado. A visão em profundidade da passarela também poderia induzi-los a pensar que se tratava de um efeito da distância, acentuado em função da sucessão regular de pés de altura decrescente e não do que de fato acontecia: a correção de um aclive suave, a compensação através do olho daquilo que o corpo passava a acusar na medida em que percorria toda a extensão do espaço. Uma vez ao fundo, ou mesmo em meio do caminho, a inclinação natural era subir na passarela, percorrê-la até o final, até o momento em que ela se assentava ao chão do lugar. O impulso natural consistia em voltar caminhando sobre a passarela, transformando-a numa espécie de píer de onde, afora se perceber o som dos passos ecoando no ambiente, um contraste com o som abafado dos pés sobre o piso de cimento, percebia-se o ambiente sobre um ângulo diverso, e que se projetava em direção à cidade lá fora.

Arquiteturageografia com três segredos, obra de 2002, apresenta problemas de outra ordem. Conquanto relacionada com a arquitetura do ambiente, o fato de ser uma construção baixa, tecnicamente uma assemblage composta por dois materiais industrializados e um natural, tábuas, sarrafos e caixas ocas de madeira, pedaços regulares de veludo e pedra, leva-nos a pensar numa arquitetura embutida em outra arquitetura, como indica o próprio título, algo entre construção e topografia, entre arquitetura e geografia retificada. Considerando que o trabalho foi realizado em Zurique, na Suíça, um país notável pela ordem de seus cidadãos, ordem que eles impõem à paisagem, trata-se de uma especulação procedente. Seus 20 m2 de área são suficientes para atrair desde longe o olhar de quem ingressa no espaço. Fosse menor, com a escala própria de uma maquete, isto talvez não acontecesse. Diante da peça o olhar põe-se a inventariar o jogo de volumes e planos de madeira e tecido, tábuas e sarrafos de madeiras diversas, cortados em bordas limpas, apoiados, justapostos, quando não integralmente sobrepostos. Uma construção realizada com a mesma meticulosidade dos campos cultivados que se vê do alto do avião e que está ligada à parede em dois pontos, recurso capaz de impedir seu funcionamento como escultura ou um objeto qualquer pelo qual se pode passear ao redor, ao mesmo tempo em que responsável por garantir frontalidade à peça. Frontalidade indecisa, diga-se de passagem, e isso se dá porque a peça progride, através de planos baixos e escalonados, em duas direções: transversal e diagonal à parede.

Apoiadas em estruturas menores, algumas delas quase invisíveis quando vistas do alto, os planos formados por tábuas ganham leveza e sentido de flutuação. O mesmo não acontece com os pedaços de veludo de coloração branca, azul e cinza suaves. Três deles estendidos sobre as placas nuas de madeira e, maiores que elas, caídos ao chão por onde se prolongam. Como é natural, a passagem de um nível ao outro acentua o caimento do tecido, seu comportamento maleável, muito diferente do caráter resoluto da madeira. No caso, os pedaços de veludo são respectivamente responsáveis por um degrau cujo plano vertical possui extremidades ligeiramente abauladas e por um outro semelhante a uma laje arquitetônica cuja linha curva forma uma catenária, isto é, a linha causada pelo próprio peso do material. Há ainda um quarto pedaço de tecido amarfanhado num canto como um lençol de cama e que de fato, visto pela lógica de uma construção que junta arquitetura com geografia, parece-se como uma dessas movimentações tectônicas em que as camadas da terra se enrugam violentamente. Não bastasse esse conjunto de planos de texturas e cores harmonizados mas distintos uns dos outros, criando vales, planaltos, planícies e encostas escarpadas, surge uma pedra escura amarrada a um fio de linha obtida do próprio tecido descosido. O enigma da pedra obriga a descida do olhar, a inspeção feita com o corpo abaixado, reveladora de outros enigmas, como o prato fundo - será isso mesmo? - pousado no chão, encoberto pelo tecido e que dele emerge como a ponta de um iceberg; o jogo entre as sombras dos planos e a luz que passa por eles; a variação de textura entre todos os componentes da construção, os atritos e outras relações de suas qualidades formais e matéricas.

Resta ainda um aspecto a ser comentado dessa obra, de resto aplicável a várias outras: trata-se do fato dela haver sido integralmente realizada com materiais encontrados pelo artista no próprio local da exposição. Uma estratégia freqüentemente utilizada quando do atendimento do artista aos convites para exposições/intervenções em lugares fora da cidade do Rio de Janeiro, onde vive. Se, por um lado, esse método revela o respeito do artista às particularidades do local, da arquitetura ao entorno, por outro mostra-se muito dinâmica, porquanto fundada no improviso, na sua invulgar capacidade de jogar com o incidental, além de, porque não, sumamente portátil e viável. Nessa direção um dos exemplos mais expressivos consiste em Rios e sombras, obra realizada em 2004, durante um programa de residência de duas semanas, na cidade de Graz, Áustria. A ficha técnica surpreende por si só: fios elétricos, lâmpadas, objetos achados, insetos, plantas, garrafas e cordas. E aqui a idéia de ocupação do espaço confunde-se com a de desocupação, pois a tendência imediata é o visitante, ao adentrar na sala destinada ao artista, perguntar sobre o trabalho; o que ele é, onde ele está? A confusão entre a ontologia do ser e o lugar que ele ocupa, dá o que pensar neste caso. O trabalho quase não está, daí ser muito difícil dizer o que ele é. É justamente nessa fronteira, entre o visível e o invisível, entre existir e não existir, que ele acontece. A garrafa suspensa é um exemplo disso. Sua oscilação não decorre exclusivamente da sua situação, pendurada pelo gargalo num barbante, suscetível ao ar. Seguindo o barbante, ação que demanda do visitante empenho e curiosidade diferenciados, chega-se ao lado de fora da construção, ao riacho no qual está mergulhada a segunda garrafa, presa à outra extremidade do barbante, transmitindo à primeira suas "impressões" sobre o fluxo continuo e oscilante da água. Rios e sombras é esse modo sussurrante de lembrar aos míopes, que por conta dessa deficiência talvez não percebam nunca, que as coisas, em que pese suas aparências, suas distâncias no espaço e no tempo, estão escoradas umas nas outras. Cabe ao artista re-juntar. Tarefa à qual Modé se impõe o tempo todo e ultrapassando largamente a idéia de que o foco está nas coisas do cotidiano, posto que ele incorpora os sonhos, lembranças, fragmentos, coisas e fatos dotados de pátina que, postas diante de nós, exalam os perfumes de seus mistérios.

O compromisso de João Modé com esse universo de minúcias que habita as frestas do mundo, atinge seu ponto mais extremado, e com forte acento ético, quando ele convida o público, convite que tem a força de uma convocação, para uma tarefa conjunta. Rede, projeto iniciado em 2003, possui esse estatuto. Iniciado porque Rede ainda não cessou, tendo sido refeito em várias instituições e cidades, dentro e fora do país, ao longo dos últimos anos. Cada etapa não é necessariamente vista como fechada em si mesma. Do mesmo modo como aquela vez, na Marienplatz, em Sttutgart, num bairro de população eminentemente imigrante, em que a destruição do trabalho durante a madrugada promoveu a sua imediata reconstrução por todos aqueles que o vinham construindo, Rede é um processo coletivo que se prolonga ao longo do tempo e em espaços distintos. Pessoas de comunidades diversas, de diferentes ocupações e interesses; crianças, adultos e idosos, de diretores de empresas à garis, todos, sem hierarquias, são convidados a tecer uma rede, uma trama feita de materiais e nós tão díspar quanto elas mesmas. Podem trazer ou não os fios, já que o projeto prevê o fornecimento deles, e quando o trazem, valem-se daqueles mais à mão ou de algum próprio para o exercício de uma prática com a qual tenha mais afinidade, como o caso de alguém que faz tricô ou crochê. Assim, além do material oferecido pelo projeto, chegam cordas, barbantes, linhas que variam quanto ao material, espessura, cor, trançado, resistência e força. Vêm de tudo, de varais de nylon à fios de cabelo, passando por cadarços de sapatos, trazido por vagas de pessoas que se juntam aquelas que já estão em plena faina ou em lugar daquelas que, dando por finalizada sua parte, afastam-se para apreciar o todo. Como uma festa, uma celebração coletiva que se justifica simplesmente no fato de reunir todos, deixando-os empenhar-se na construção de algo, a rede, entre conversas, sorrisos, ensinamentos, os sinais e meneios amistosos entre desconhecidos que compartilham algo agradável, vai crescendo entre laços e nós frouxos, desalinhados, embaraçados, precisos, apertados, estreitos, pressionados; profissionais e descuidados, toscos e engenhosos, rebuscados e práticos, hábeis e desajeitados.

O artista é apenas o promotor, aquele que orquestra o processo, o agente dessa união, desse intercâmbio que rapidamente assume a aparência de uma rede, uma construção leve, imperfeita, desigual mas arejada, como as falas entrecruzadas que ouvimos em lugares públicos, como uma feira onde os sons álacres das vozes confundem-se com os aromas das frutas, como os operários que gritam em uníssono quando juntos empurram algo muito pesado, como pessoas que, de olhos fechados, elevam os timbres de suas vozes numa oração que é a um só tempo compartilhamento e intimidade. A Rede, como bem diz João Modé, ultrapassa o limitado campo da visualidade e, portanto, não deve ser admirada de fora mas sim vivenciada; um organismo vivo em mutação perpétua, como as pessoas que a tecem.

Será, talvez, desnecessário insistir na amplitude da proposição, para o fato de que as redes estão em toda parte. Do cérebro ao verbo. Da linguagem em geral às relações inter-pessoais e daí para as redes que nos enredam a todos, indistintamente, e no mundo inteiro. Porque a verdadeira pedra de toque desse projeto, literalmente, aquilo que o faz melhor do que todos aqueles que lhes são semelhantes, é o modo como ele dissolve o seu autor nos outros, acendendo neles o mesmo olhar que João Modé devota às pequenas coisas, a começar pelo gesto pequeno e nítido através do qual eu me uno, ou me embaraço, tanto faz, àquele que me é próximo.





Fonte : Canal Contemporâneo
Fonte Itaú Cultural

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